O GLOBO, n 32.317, 29/01/2022. Política, p. 6

App de Bolsonaro foi criado por assessor de Carlos

Marlen Couto



O advogado Rogério de Medeiros Junior é empregado no gabinete do filho 02 na Câmara do Rio, e desenvolveu plataforma que deve ampliar alcance digital do presidente às vésperas da eleição. Ação no TSE questiona possível uso de dinheiro público

Desenvolvedor do aplicativo criado para reunir postagens do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, o advogado Rogério Cupti de Medeiros Junior atua desde janeiro de 2021 no gabinete do vereador do Rio e filho do presidente Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), alvo de investigação sobre um suposto esquema de “rachadinha” —prática que consiste na devolução de salários de assessores. Com remuneração-base de R$ 6.753,76, Medeiros Junior divide suas atividades como auxiliar do vereador com os serviços de sua microempresa individual, que oferece assessoria a quem deseja obter o certificado de registro para colecionador, atirador desportivo e caçador (CAC).

Aberta oficialmente por ele em março de 2020 e em operação desde 2017, a empresa é registrada no mesmo endereço, em Niterói, informado nos termos de uso do aplicativo Bolsonaro TV, divulgado e incentivado pelo próprio presidente e que já soma mais de 100 mil downloads só na loja do Google. Nos termos de uso e privacidade do Bolsonaro TV, o advogado aparece como responsável pela iniciativa. A entrada de Medeiros Junior no gabinete de Carlos coincide com a criação do aplicativo.

A plataforma está disponível ao menos desde junho, quando começou a ser testado e a passar por atualizações. Lá, é possível ler em tempo real postagens do presidente no Telegram, Twitter, Instagram e YouTube. Esta semana, o PDT protocolou uma medida cautelar junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em que requer informações sobre o financiamento do Bolsonaro TV. A sigla questiona os recursos usados para sua elaboração e quer saber se houve participação de empresas na fase de desenvolvimento e uso de dinheiro público, uma vez que o assessor de Carlos Bolsonaro é apontado como desenvolvedor do aplicativo.

Em nota ao GLOBO, a Câmara do Rio explicou que não há vedação para que um funcionário desempenhe outra função, desde que haja compatibilidade de horários. A Casa também informou que, no caso dos lotados nos gabinetes parlamentares, o controle de frequência fica a cargo do vereador. Procurado para comentar a atuação do assessor no aplicativo de Bolsonaro e na Impacto, o gabinete de Carlos Bolsonaro não respondeu.

Com escritórios no Rio e em Brasília, a Impacto foi revelada no ano passado pela revista “Veja”. Nos perfis da consultoria nas redes sociais, que cobra de seus clientes R$ 500 por honorários advocatícios a título de “valor simbólico”, são compartilhadas com frequência fotos de Bolsonaro e defesas do uso de armas de fogo para defesa pessoal, uma das principais bandeiras do bolsonarismo. Em uma delas, uma foto do presidente foi compartilhada com a legenda “O povo armado jamais será escravizado”. Em outra publicação, um vídeo mostra uma criança atirando. 

Também são comuns vídeos e fotos de Rogério Medeiros Junior, identificado como instrutor de armamento, em demonstrações de disparos. Registros de aulas foram publicados ao longo de 2021, período em que o advogado já estava nomeado no gabinete de Carlos. Em 2017, o hoje assessor do filho do presidente foi recebido no gabinete do então vereador de Niterói Carlos Jordy (PSL-RJ), atualmente deputado federal, e foi descrito como “advogado especialista em legislação sobre armas”. Uma foto do encontro, motivado por uma campanha para armar a população de Niterói, foi publicada por Jordy, que divulgou também as contas da Impacto em redes sociais.

Em seu currículo na plataforma Lattes, mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o assessor do vereador Rio informou que se graduou em Direito pela Universidade Estácio de Sá em 2012. Constam ainda uma especialização em Crimes Cibernéticos concluída em 2013 pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) e um curso de Segurança da Informação pela Polícia Federal em 2003. Procuradas, a Emerj e a PF não responderam sobre a formação do advogado nas instituições. Antes de ser nomeado no gabinete de Carlos, Medeiros Junior também atuou como representante do parlamentar em ações na Justiça do Rio.