Título: Socialistas esperam voltar ao poder
Autor: Norma Couri Especial para o JB
Fonte: Jornal do Brasil, 20/02/2005, Internacional, p. A12

Pleito de hoje pode tirar centro-direita do governo

LISBOA - Neste domingo, Portugal vai viver uma revolução nas urnas se o candidato socialista José Sócrates ganhar as eleições para primeiro-ministro, virando o jogo da política no país, governado há oito anos pelo centro-direita.

Se os brasileiros acreditam que as revoluções portuguesas não afetam a ex-colônia, enganam-se. O Brasil foi ''descoberto'' numa revolução lusitana pelos mares há 505 anos. Há 31 anos, a Revolução dos Cravos, que derrubou meio século de ditadura, povoou o Brasil de dissidentes, descontentes e salazaristas temerosos de vingança. Quando os lusitanos integraram o Mercado Comum Europeu, há 20 anos, foram os brasileiros em massa que emigraram para a Velha Corte.

Caso os socialistas ganhem as urnas - como afirmam as pesquisas -, Mário Soares, a figura política mais carismática de Portugal, prevê grandes mudanças para as relações luso-brasileiras.

O que Soares diz, escreve-se. Portugal nunca ganhou tanta notoriedade no mundo como nos anos em que Mário Soares, 12 anos preso pela polícia de Salazar e outros tantos exilado, chegou ao poder.

Foi três vezes primeiro-ministro e articulador da entrada do país na União Européia. Foi duas vezes presidente e, nas eleições presidenciais que são realizadas também este ano, junto com as legislativas, está sendo convencido a exercer o mandato pela terceira vez.

Não importa quem esteja na Presidência, no governo, nas novelas, no Big Brother; este português cativante, corajoso, orador de primeira, formado em Letras, Direito e na arte de seduzir, revolucionário até quando se trata de driblar o tempo, ganha de todos. Completou 80 anos em janeiro, ninguém diria. Publica livros, escreve artigos, faz palestras pelo mundo, não perdeu um só dos Fóruns Sociais de Porto Alegre e na política portuguesa a sua palavra tem peso definitivo.

Mário Soares é a cara de Portugal no mundo. Acompanha de perto as eleições de hoje, que vêm seguidas de um episódio similar ao impeachment de Collor - a recente dissolução da Assembléia pelo presidente Jorge Sampaio para provocar a saída do primeiro-ministro de centro-direita, Santana Lopes, há quatro meses no poder. Nunca um primeiro-ministro provocou tanta reação negativa quanto Santana Lopes, que já quando ocupava o Ministério da Cultura conseguiu colocar a classe teatral contra ele, ao dar subsídios para Christiane Torloni montar uma peça. Em seguida, a própria Christiane brigou com o titubeante ministro a quem chamou de ''maior abandonado''.

O resto do país qualifica-o de sedutor nato, incapaz de resistir ao charme de uma mulher bonita.

Santana Lopes, 48 anos, é o principal opositor do tímido José Sócrates, 47 anos, nas eleições de hoje, comentadas por Soares nesta entrevista exclusiva concedida, em Lisboa, ao Jornal do Brasil.

Perguntado se a recente dissolução da Assembléia Legislativa, que provocou a saída do primeiro-ministro Santana Lopes e as eleições de hoje, teria sido uma surpresa, Soares disse que ''não''.

- Quando fui primeiro-ministro nos anos 80 também dissolvi a Assembléia contra a opinião do meu Partido Socialista, uma polêmica. Na atual situação, eu teria feito diferente: demitido o primeiro-ministro, e não dissolvido a Assembléia para provocar a queda do governo - afirmou.