Título: CRACK
Autor: Marco Antônio Martins
Fonte: Jornal do Brasil, 20/02/2005, Rio, p. A15

Tráfico do Rio derruba embargo à droga

Em 1994, dois rapazes do Morro do Chapéu Mangueira, no Leme, foram mortos por traficantes no alto da favela por tentarem vender crack a viciados. Na época, os policiais civis não se surpreenderam com a notícia por correr a informação de que os criminosos do Comando Vermelho (CV) não permitiam a entrada da droga na cidade. Uma década depois, a situação mudou. Os jovens líderes do CV já produzem e vendem o crack no interior das favelas cariocas, construindo uma dependência que já atormenta a vida de outras capitais como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba, mas que era evitada, até então, no Rio. O Ministério Público estadual e a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária têm em mãos um estudo realizado no interior dos presídios, a partir de conversas com detentos, alertando para a disseminação do entorpecente. Em outras regiões do país, o uso das famosas pedras levou a um aumento nas estatísticas de roubos, furtos e homicídios.

Coincidência ou não, os índices de roubos a pessoas, só para citar um exemplo, cresceram ao se comparar os dados do Instituto de Segurança Pública de dezembro de 2003 com o mesmo mês do ano passado. Passaram de 1.585 casos para 2.419. Além disso, o número de dependentes em crack que procuraram tratamento no Conselho Estadual Anti-Drogas (Cead) vem subindo anualmente. Em 2001, apenas uma jovem procurou o Cead em busca de ajuda. No ano passado, o número saltou para 183 casos, uma média de 15 novos viciados a cada mês. Neste ano, até 16 de fevereiro, 26 pessoas foram até o local para se cuidar.

¿ O crack pulveriza o número de grupos que o explora, como também é capaz de aumentar a violência. Furtos e roubos passam a ser praticados com freqüência para alimentar o vício. Pode até ocorrer um crime violento, por impulso, mas o dependente apresenta um estado tão deplorável pelo uso da droga que pequenos roubos são mais comuns ¿ diz Guaracy Mingardi, diretor científico do Instituto Latino Americano das Nações Unidas (Ilanud), de São Paulo.

Durante anos, traficantes de outros estados tentaram vender o crack nos morros do Rio. Só conseguiram isso com a prisão e isolamento dos velhos líderes do Comando Vermelho nas unidades de Gericinó, na Zona Oeste do Rio. Diferentemente deles, os jovens criminosos que assumiram as bocas-de-fumo em favelas das zonas Sul e Oeste e do subúrbio da cidade aceitaram a droga, por viciar mais rápido e ser mais barata. É a juventude do CV, que, além de vender, consome as drogas. Eles são apontados como responsáveis pelos comboios, os conhecidos bondes, para roubar carros ou atacar policiais e roubar suas armas nas vias expressas de acesso ao Centro do Rio.

Outro indício da chegada do crack aparece em depoimento do traficante Michel Levy dos Santos Araújo, conhecido como Testa, em outubro de 2002. Quando foi preso na Favela do Jacarezinho, ele disse que já havia dois pontos exclusivos para a venda de crack na comunidade. A receita de como prepará-lo teria sido passada por pessoas vindas de São Paulo. Dali, a droga se espalhou por outras favelas em pouco mais de dois anos. Outros detentos do sistema penitenciário do Rio confirmaram a existência desse tráfico nos morros do estado.

Basta observar as apreensões policiais realizadas durante o ano de 2004 em todo o Rio de Janeiro. A maior parte aconteceu na Zona Oeste da capital e nos municípios de Resende e Teresópolis. Chama a atenção a apreensão de duas cargas ¿ uma, no ano passado, de 4,5 quilos, na Via Dutra, altura de Duque de Caxias; outra, em janeiro, de quatro quilos, no Complexo do Alemão.

¿ Na primeira apreensão, o crack me surpreendeu. A gente só esperava um carregamento de cocaína. Parece que está sendo feita uma espécie de venda casada. A coca e o crack estão sendo trazidos juntos para o Rio. Existe a possibilidade de a droga se tornar a nova moda, deixando a cocaína para trás ¿ acredita o delegado Rodrigo Oliveira, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes, da Polícia Civil, que tem informações de que as pedras são vendidas por R$ 10.