Título: Não serei candidato em 2010
Autor: Almeida, Rodrigo de
Fonte: Jornal do Brasil, 14/09/2008, País, p. A14

Ministro diz que seguirá qualquer indicação de Lula e afirma que Bolsa Família mudou o país.

Principal artífice e condutor do Bolsa Família, o mais celebrado programa social do governo Lula, o ministro Patrus Ananias sofreu dois reveses. Primeiro perdeu espaço para o fator-Dilma rumo a 2010. Depois enfrentou embates em torno da política mineira ¿ combateu a aliança entre o PT de Fernando Pimentel e o PSDB de Aécio Neves. Entre um caso e outro, prefere falar do presente e dos desafios de conduzir o programa que vem ajudando a remover a pobreza.

O senhor comanda um programa que tem reduzido a pobreza no Brasil e é hoje referência mundial de política social focalizada. Mas politicamente o senhor enfrentou problemas em Belo Horizonte e perdeu espaço entre possíveis sucessores do presidente Lula. 2010 ainda passa pela sua cabeça?

Não. Definitivamente, não. Tenho uma mente muita tranqüila em relação a isso. Primeiro porque tenho autocrítica e sei dos meus limites. Não sou um nome nacionalmente conhecido. Dei uma posição clara sobre isso, até para reafirmar o caráter republicano dos programas sociais e consolidar o ministério, que é muito novo. Não tenho um olhar ganancioso para o futuro. Dedico-me de corpo e alma ao que estou fazendo para mim, um homem de origem que veio de Bocaiúva e virou ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, fazendo parte do governo do presidente Lula, governo que está mudando a cara do Brasil. Mudar a história do país, contribuindo com o trabalho no ministério, é uma realização completa. E me basta.

Mas o senhor é um político. Ter pretensão eleitoral é uma conseqüência natural. E legítima.

Vou ser muito sincero com você. Esse meu trabalho é como uma missão. É um sacrifício pessoal, familiar, profissional, cultural e também financeiro. Estou na política porque tenho um compromisso, porque acredito no projeto, acredito no Partido dos Trabalhadores, ao qual me dedico há 28 anos. Tenho 56 anos, portanto metade da minha vida está dedicada ao PT. E há outra dimensão: gosto muito de ler, estudar, dar aulas, da vida familiar. Se as energias forem boas, se as oportunidades vierem e forem boas, espero que Deus me dê saúde para continuar trabalhando. Mas lhe digo: estarei onde estiver o presidente Lula. Meu candidato, a minha candidata, será aquele que o presidente Lula considerar o mais conveniente.

O senhor tem consciência de que a ministra Dilma Rousseff é hoje a preferida de Lula?

Se ele anunciar formalmente o apoio à ministra, estarei ao lado dela. De antemão, reconheço, a partir da convivência de 30 anos, a competência, o discernimento, a visão política, a liderança e a compreensão do presidente do processo para o encontrar o nome que será fundamental para continuar as grandes conquistas de seu governo.

E no plano local? O PT enfrentou problema em função do acordo entre o prefeito Fernando Pimentel (PT) e Aécio Neves (PSDB) em nome da candidatura de Márcio Lacerda (PSB). Candidatura a que o senhor se opôs. Sentiu-se excluído?

Em primeiro lugar, digo-lhe que sempre defendi alianças. Desde os tempos heróicos do partido defendi que fizéssemos alianças. Mas que fizéssemos alianças programáticas e construídas dentro do próprio partido. Não excluí nenhum partido das possibilidades de alianças. Quem me conhece sabe das características de diálogo. O que questiono em Belo Horizonte é a maneira como foi feita a aliança. Primeiro, não há um programa, um compromisso com a cidade, não há prioridades e metas definidas conjuntamente. É um equívoco. Em segundo lugar, questiono a maneira como o processo político foi conduzido. O prefeito conseguiu a maioria do partido em Belo Horizonte ¿ pode-se até questionar o método, mas conseguiu.

Como assim?

Ele conseguiu uma maioria contingente. Mas mesmo quem tem maioria, como ele tem, num partido como o PT o diálogo é muito necessário. Isso não ocorreu. As pessoas que têm uma militância histórica no partido, como eu e outros, foram excluídas do processo. E aliados históricos também foram omitidos. Gente do PCdoB e do próprio PSB. Ouvi queixas inclusive de lideranças do PSDB, que consideram que não foram ouvidos. Não é correto.

Houve oportunismo?

Não me cabe julgar a intenção das outras pessoas. Trabalho com dados objetivos. E objetivamente foi isso o que ocorreu: a exclusão de pessoas importantes, como o vice-presidente José Alencar e outros ministros da base do governo. Não foi um processo adequado. Quando comuniquei ao prefeito Fernando Pimentel que não seria candidato ¿ uma vez que o presidente Lula me pediu para continuar as políticas do ministério ¿ levantei com o prefeito alguns nomes e cenários, que ele não considerou. E lembrei que ele seria o condutor do processo, como prefeito. Mas eu esperava que ele fizesse isso com diálogo. Democraticamente.

O Bolsa Família está consolidado, mas é sempre acusado de ser um motor fortíssimo de impulso de imagem para Lula, o PT e seus apoiadores. Como conviver com esses dois pólos?

O ponto importante é incluí-lo no contexto mais amplo de uma grande rede nacional de proteção dos mais pobres. Não é um programa isolado. Temos, de um lado, as políticas públicas de assistência social, nas quais programas muito vigorosos, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que assegura às pessoas idosas acima de 65 anos e pessoas com deficiência que tenham renda familiar inferior a 1/4 do salário mínimo. Esse programa tem investimentos superiores ao Bolsa Família. Temos programas que interagem com o Bolsa Família, como o programa de atenção integral às famílias, que se materializa nos centros de referência de assistência social, onde se trabalham questões mais delicadas, como desconstituição familiar, trabalho infantil e exploração sexual de crianças e adolescentes. Com o aumento da faixa etária dos beneficiados pelo Bolsa Família, estamos implantando o Pró-Jovem Adolescente, trabalho de integração comunitária, esportiva, cultural e inclusão digital. Temos o sistema de segurança alimentar e nutricional, que materializa as políticas de segurança alimentar, que asseguram o direito à alimentação. É um programa que sintetiza o Fome Zero.

O Bolsa Família atende 11 milhões de famílias. Somando todos os programas, quantos são beneficiados?

São mais de 60 milhões de pessoas pobres, crianças e adolescentes. Entre 15 e 16 milhões de famílias.

Não há superposição?

Sim, há. E é bom que haja. Estamos integrando os programas. Pessoas atendidas pelo Bolsa Família estão também sendo atendidas nos centros de referência de assistência social, por exemplo. Há uma integração com nossos programas de apoio à agricultura familiar. São todos programas com critérios legais. Se as pessoas atendem a esses critérios, os benefícios podem ir além.

O número bateu no teto? Ou há margem para crescer?

Nossa dívida social é gigantesca. A avaliação que temos, a partir dos dados de que dispomos, é que o grosso da população pobre está sendo atendido. Agora a questão é aperfeiçoarmos cada vez mais os focos.

Nesse problema do aperfeiçoamento, há uma crítica freqüente sobre as condicionalidades.

O Bolsa Família é muito bem calçado. Temos as condicionalidades de saúde e educação. Trabalhamos de maneira integrada com outros ministérios. Há um conjunto de ações que possibilitam o desenvolvimento de potencialidades e talentos dessas famílias pobres que estamos atendendo. Estamos aperfeiçoando as condicionalidades. Tenho boa notícia. No período abril/maio deste ano, 85% dos 15 milhões de crianças e adolescentes de 2 a 15 anos tiveram acompanhamento escolar. Entre os alunos de 16 e 17 anos, faixa recente, esse índice é de 78%. A média nacional é 75% de freqüência escolar. A média para o Bolsa Família é de 85%. Estamos acompanhando e ampliando cada vez mais o trabalho com outros ministérios e envolvendo gestores municipais e estaduais.

Críticos à esquerda e à direita criticam a ausência de portas de saída do programa. Como o senhor responde a eles?

Esses números são bons argumentos. Respeitamos as pessoas que criticam, mas o programa tem um valor em si: assegurar o direito à alimentação com regularidade e qualidade. Ele se articula com outros direitos, como educação, saúde, saneamento, trabalho e moradia. Mas é um valor em si. Sem comida as pessoas não vivem, morrem. É o direito à vida, à dignidade humana. Não gosto da expressão porta de saída. Na minha terra, porta de saída é serventia da casa. Assim dizemos quando a pessoa não é agradável. Durante 500 anos o Brasil acumulou a dívida social que tem e hoje querem que, em quatro anos, possamos resolver essa dívida. É incrível como os pobres são tratados como incômodo no Brasil. O trabalho leva tempo.

Pesquisa do Ibase mostrou que as famílias elegíveis para receber o Bolsa Família são vulneráveis não só por comer mal ou pouco, mas porque lhes falta acesso a saneamento e água potável. Mais da metade, por exemplo, não tem esgoto. O que o governo vem fazendo?

O Bolsa Família, como lhe disse, não é um programa isolado. O próprio PAC aponta também para o resgate da dívida social brasileira, com urbanização de vilas e favelas, construção de casas para as populações de baixa renda, transporte coletivo. O governo está investindo, sim, na área de saneamento básico. Por muitos anos, prevaleceu a mentalidade de que fazer obra nessa área não dá voto. Esgoto não dá voto porque não aparece. Mas essa mentalidade está mudando. Há uma prioridade no saneamento básico no PAC.