Título: Energia une ambientalistas e o grande capital do país
Autor: Rosa, Leda
Fonte: Jornal do Brasil, 14/09/2008, Economia, p. E3

Para Brasil garantir expansão, verdes e industriais deixam radicalismo de lado.

SÃO PAULO

A preocupação com a definição da matriz energética e as fontes que vão garantir o crescimento do país faz com que ambientalistas e o grande capital, que por anos atuaram em lados opostos e inconciliáveis, se entendam melhor. Tudo em nome do que se convencionou chamar desenvolvimento sustentável. O Brasil tem hoje nas tomadas 102 mil megawatts de energia. Até 2015, calcula-se que será preciso injetar mais 5% a cada ano. Mas sem esquecer o meio ambiente. É o que mostram os três artigos exclusivos que o JB publica nas duas páginas seguintes.

Para não correr o risco da responsabilidade por novos apagões ¿ ou arcar com o ônus de desastres ecológicos ¿ verdes e desenvolvimentistas definem estratégias pragmáticas na busca de saídas para abastecimento do mercado consumidor, abrindo mão de velhos radicalismos.

No governo, a saída para o setor de energia tem três nomes: Jirau, com previsão de gerar 3.300 megawatts; Santo Antônio, que terá 3150 megawatts, e Belo Monte, com 11 mil megawatts. Hidrelétricas gigantes na região Amazônica, cujos leilões foram vencidos por megacorporações como Odebrecht e a belga Suez. Para verdes como o Greenpeace, a questão é anterior: redesenhar a matriz energética, optando por pequenas hidrelétricas e atenuando o peso do represamento na composição da cesta energética.

¿ Nossa matriz energética atual é invejável do ponto de vista ambiental, com mais de 80% vinda de hidrelétrica. Os países desenvolvidos lutam com desespero para renovar suas fontes por energias limpas. E, como planejador estou tranquilo. Em Belo Monte, fizemos um acordo que diminuiu de 2 mil quilômetros quadrados para 440 quilômetros quadrados a área a ser alagada e cancelamos os projetos de construção de outras quatro hidrelétricas no Rio Xingu ¿ diz Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

¿ A maior ameaça ao desenvolvimento são as mudanças climáticas e, por isso, discutir a matriz energética é fundamental ¿ acrescenta Marcelo Furtado, diretor-executivo do Greenpeace no Brasil.

Para a entidade, em 2050, o perfil energético deveria ter 38% em hidrelétricas, o que soma as usinas existentes com mais novos projetos pequenos de até 15 megawatts. A conta continua com 26% de biomassa, conseguida com a segunda geração de restos agrícolas, 20% de eólica, 12% de gás natural e 4% de solar.

¿ Reconheço que, com o conhecimento que se tem, não fecho minha matriz com fontes inteiramente renováveis ¿ afirma Furtado, ao ressaltar a inclusão de gás natural, fonte térmica composta na maior parte por metano, um desastre em tempos de aquecimento ambiental.

¿ Há uma visão quase hostil às grandes usinas, mas não sei o efeito destas pequenas todas juntas ¿ admite Jerson Kelman, presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Os efeitos das grandes hidrelétricas são o pomo da discórdia entre os dois lados. Na luta pela concessão das licenças ambientais, o tema já rendeu polêmicas como a do bagre dourado migrador do rio Madeira. O impacto sobre a rota migratória do peixe ao longo do rio teria adiado a concessão da licença pelo Ibama para as usinas de Santo Antonio e Jirau.

A demora do órgão na liberação de aval para que os canteiros de obras fossem autorizados teria rendido, entre outros motivos, em meados de maio, o pedido de demissão da ex-ministra de Meio Ambiente Marina Silva, representante do setor mais à esquerda dos ambientalistas. Seu sucessor, Carlos Minc, começou agradando aos setores mais verdes mas, ao conceder a licença de funcionamento para Angra 3, perdeu a simpatia de alguns.

¿ O estudo sobre o bagre dourado migrador de longo curso faz parte de um pacote de ações da empresa focadas no levantamento das espécies da região da fauna e da flora ¿ conta Sérgio Leão, diretor de meio ambiente da Odebrecht Investimentos Infra Estrutura.

Ao lado das demandas pelo meio ambiente, o executivo frisa que as carências sociais também têm peso relevante na hora de aprovar os projetos.

¿ O licenciamento se tornou caixa de ressonância de carências da sociedade ¿ diz ele, que conduziu 69 reuniões com as populações moradoras da região que será submersa por Santo Antonio. ¿ Atenuamos a ansiedade das pessoas e conseguimos a licença social para a obra ¿ lembra.

¿ O pior é a postergação das decisões ¿ diz Paulo Godoy, da Associação Brasileira de Infra Estrutura e Indústrias de Base (Abdib).

Segundo estudos da entidade, o prazo médio para o licenciamento varia de 21 a 37 meses.

¿ Queremos algo em torno de 13 meses ¿ pede ele, para quem o setor de energia já tem preocupações ambientais e monitoramento oficial suficientes. ¿ O mais preocupante são as operações ilegais, como invasões urbanas e desmatamentos em áreas preservadas ¿ destaca.