Título: O governo só teme pela duração da crise
Autor: Faria, Teles
Fonte: Jornal do Brasil, 16/09/2008, Tema do Dia, p. A2

A crise nos EUA é séria. Ninguém no governo brasileiro trabalha com a hipótese de desdenhar do problema. Nos corredores da área econômica, o que se diz não é só que estamos numa verdadeira crise mundial do capitalismo. Mas numa crise no centro do capitalismo. E mais: que esta crise já dura um ano. Só que a questão do tempo é fundamental. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e seus assessores passaram o dia ontem tentando avaliar quanto tempo deve durar a crise. Não chegaram a uma conclusão, até porque seria pura futurologia. Nessas horas, o que resta a fazer é desenhar cenários e preparar a economia para as diversas possibilidades.

Qual o pior cenário? A crise nos EUA persistir até 2010, comprometendo os índices de crescimento do Brasil para um ano eleitoral. Sim, porque, em economia, trabalha-se junto com a política. É sempre assim em todos os países, em todas as ideologias. Os economistas tentam adaptar os ciclos econômicos aos ciclos eleitorais. O sucesso da política ajuda a economia, assim como o fracasso de uma também complica a outra. Daí aquela máxima do marqueteiro de Bill Clinton sobre o que mais influenciaria na eleição: "É a economia, idiota!".

Qual o cenário que mais tranqüilizaria a todos? A crise americana se resolver ainda este ano. Mas essa hipótese não é muito levada em conta, dado o ano eleitoral nos EUA e a fragilidade do governo George Bush. E também acredita-se que, para este ano, a situação brasileira já está mais ou menos equacionada. A inflação está caindo e já há quem fale em crescimento do PIB da ordem de 6%, que dificilmente ficará abaixo dos 5%. As reservas internacionais, da ordem de R$ 225 bilhões, garantem o país contra qualquer ataque especulativo; temos um mercado interno de massa, com forte peso comprador da classe média, que serve como um verdadeiro guarda-chuva contra intempéries; e o sistema bancário do país, ao contrário dos EUA, vive um momento considerado sadio. Além disso, os investimentos do governo, principalmente o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), devem chegar ao fim do ano numa boa velocidade; a construção civil, na análise da área econômica, está em ritmo bastante acelerado. Enfim, o país está razoavelmente bem preparado de forma geral, avaliam os assessores de Mantega, para a virada do ano.

Isso basta? Não. Se o mundo derreter ninguém se salva. Então, na discussão sobre cenários, a voz corrente na área econômica é de que tudo depende do primeiro semestre de 2009. Hoje o mercado aposta que o Brasil terá, no ano que vem, um crescimento da ordem de 3,5% do PIB. A área econômica trabalha, na verdade com 4,5%. Ou seja, já não se falam mais naqueles valores recessivos de 1,5% a 2%. Mesmo com a crise, espera-se fechar o ano de 2009 com taxas de crescimento do PIB bastante razoáveis.

O desastre seria o novo governo americano ¿ seja o republicano Jonh McCain ou o democrata Barack Obama ¿ não dar sinais, no primeiro semestre de 2009, de que tem condições de debelar a crise. Nesse caso, muito provavelmente o ano eleitoral de 2010 estaria comprometido com a recessão. Mas, assim mesmo, resta uma esperança, entre os diversos cenários que estão sendo discutidos dentro do governo. Qual seja? A China!

Tudo bem, a crise é mundial, mas digamos que ela afete um pouco a China, mas não muito. É uma hipótese razoável diante da potência econômica em que a China se transformou. Nesse caso, talvez a Índia também sofra, mas não sofra tanto. E aí os países emergentes, liderados pelos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), chegam ao Day After da crise mundial numa situação relativa melhor. Em economia, como em qualquer outra competição da vida, mais do que as perdas absolutas, interessam as perdas relativas. Se perdermos menos que o centro do capitalismo, sairemos da crise, no dia seguinte, numa situação relativa melhor.

A título de exemplo: quinta-feira o presidente Lula estará em São Paulo com o colega Alan García. Anunciam a adesão do Peru ao sistema de TV digital japonês com as adaptações brasileiras. A Argentina já aderiu. Ou seja, a indústria eletroeletrônica brasileira se habilita a exportar para toda a América do Sul. E é isso o que interessa.