O GLOBO, n 32.322, 03/02/2022. Política, p. 6
PGR terá de dizer se Bolsonaro cometeu crime
Mariana Muniz e André de Souza
Augusto Aras tem 15 dias para se manifestar sobre conclusão da PF de que presidente incorreu em violação de sigilo funcional ao divulgar trecho de investigação. Delegada isenta chefe do Executivo por faltar a depoimento
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou que o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifeste sobre a conclusão da Polícia Federal de que o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime ao divulgar informações sigilosas de um inquérito que apura um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O magistrado encaminhou a demanda ao chefe do Ministério Público ontem, no mesmo dia em que teve acesso ao relatório final produzido pela PF.
Com isso, cresce a pressão sobre Aras, frequentemente criticado por procuradores que o acusam de adotar uma postura protecionista em investigações que envolvam o presidente de República e aliados. O PGR tem 15 para se manifestar a respeito da conclusão da Polícia Federal.
Para a PF, assim como Bolsonaro, o deputado Filipe Barros (PSL) e o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens da Presidência, também cometeram crime de violação do sigilo funcional. Todos participaram de uma transmissão ao vivo pela internet em que o titular do Palácio do Planalto mostrou à câmera o conteúdo do inquérito aberto para investigar um ataque virtual aos sistemas do TSE, em 2018. Bolsonaro e Filipe Barros não foram indiciados porque há um entendimento, entre ministros do STF, de que essa medida só pode ser aplicada a pessoas com foro privilegiado se houver prévia autorização do Judiciário. O indiciamento é instrumento que pelo qual a PF atesta que há elementos para atribuir a uma pessoa responsabilidade por uma ilegalidade.
Outro ponto do relatório final da polícia chama a atenção. A delegada responsável pelo caso, Denisse Ribeiro, decidiu não pedir providências contra Bolsonaro por ele ter faltado a um depoimento determinado por Alexandre de Moraes, o relator do processo no STF. Para a Denisse, a ausência do presidente “não trouxe prejuízo ao esclarecimento dos fatos”.
Na live em que o inquérito policial foi exposto, Bolsonaro fez reiteradas acusações, sem provas, à credibilidade das urnas eletrônicas, um dos temas preferidos do presidente até meados do ano passado. Em trecho do documento entregue ao STF, a delegada afirma que o chefe do Executivo, seu auxiliar e o deputado tinham por objetivo a “difusão de informações sabidamente falsas, com repercussões danosas para a administração pública”.
A Advocacia-Geral da União (AGU), que defende o presidente, sustenta que o inquérito não era sigiloso. O material chegou a Bolsonaro por meio do deputado Felipe Barros, que, como parlamentar, requereu e conseguiu oficialmente acesso à investigação. A Polícia Federal sustenta que, de acordo com entendimento firmado pelo Judiciário, todo inquérito da corporação tem por premissa ser sigiloso.
A delegada destacou que o inquérito sobre o ataque hacker “continha diligências investigativas sigilosas em andamento e que não deveriam ter sido publicizadas a particulares, pois estavam relacionadas à apuração”
Procurado pelo GLOBO, o Palácio do Planalto preferiu não se manifestar sobre as imputações ao presidente e ao ajudante de ordens Mauro Cid, que não quis comentar o assunto. No Twitter, Felipe Barros argumentou que não havia segredo decretado sobre o inquérito.
“O delegado que investigava a invasão hacker de 2018, em seu depoimento, confirmou que o inquérito não estava sob sigilo. Se a delegada Denisse Ribeiro insiste que os dados eram sigilosos, porque ela não indiciou o delegado por, em tese, ter mentido em seu depoimento?”, escreveu o deputado.
DELEGADO SURPRESO
O delegado citado por Barros é Victor Campos, que acabou sendo afastado do inquérito por ordem de Moraes. Ouvido pela PF, Campos alegou ter fornecido os autos da investigação ao deputado para ajudar nos debates do parlamento, mas afirmou que foi surpreendido pela divulgação durante a live. A delegada Denisse não indiciou o colega por entender que ele não teve a intenção de vazar os documentos.
Também ontem, Alexandre de Moraes encaminhou à PGR uma notícia crime apresentada por um advogado contra Bolsonaro, por ele ter faltado ao depoimento na PF. Aras tem 15 dias para se manifestar.