Correio Braziliense, n. 22648, 24/03/2025. Política, p. 5
Poder absolutista nas redes
Danandra Rocha
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender a necessidade de regulamentação das redes sociais, destacando os riscos da desinformação e do discurso de ódio no ambiente digital.
Durante uma cerimônia na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília, ele criticou o que chamou de “poder absolutista” das plataformas e cobrou um marco regulatório mais rígido.
No entanto, o tema enfrenta forte resistência no Congresso, onde oposicionistas alegam que qualquer medida nesse sentido ameaça a liberdade de expressão.
“Diante de uma falta de regulamentação adequada, tenho observado uma tendência de concentração de poder sem precedentes nas oligarquias digitais.
Um poder absolutista, que desconhece fronteiras e visa subjugar as jurisdições nacionais. É imperativo avançar na criação de um arcabouço jurídico robusto, que promova a concorrência justa”, afirma o presidente.
O líder da oposição na Câmara dos Deputados, Luciano Lorenzini Zucco (PL-RS), discordou: “É preciso dizer com todas as letras que a regulamentação das redes sociais é um ataque direto à liberdade de expressão, a implosão do último bolsão de resistência contra o sistema.
Por trás da beleza argumentativa de combate à disseminação de notícias falsas, discurso de ódio e outros conteúdos considerados prejudiciais, está o desejo de calar as vozes divergentes”, expressa.
As redes sociais já provaram ser ferramentas decisivas nas eleições do Brasil. Com a aproximação do pleito de 2026, cresce o debate sobre a eficácia das medidas adotadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelas plataformas digitais para conter fake news, deepfakes e a manipulação do debate público.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Reuters, da Universidade de Oxford, 91% dos brasileiros se informam majoritariamente pela internet, superando até mesmo a TV com 79%. Esse cenário tem gerado mudanças na forma como campanhas eleitorais são conduzidas.
Desafio
Nos últimos anos, o TSE implementou diversas ações em parceria com o Tribunal no Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), para combater a desinformação.
Memso com as medidas, campanhas políticas no ambiente digital seguem operando no limite das regras, aproveitando brechas para impulsionar conteúdos sem total transparência.
Paola Brescianini, especialista em branding e mídias sociais digitais pelo Centro Universitário Belas Artes, alerta que o uso da inteligência artificial levanta novas preocupações. “Uma IA super perigosa são as deepfakes e os textos gerados pela IA. Hoje, é possível manipular tudo, inclusive, criar um texto falso e transformálo em um vídeo narrado por um candidato”, adverte.
Já o advogado especialista em direito digital, Lucas Karam, destaca que um controle mais rígido pode gerar censura e limitar a liberdade de expressão nas redes, exigindo um equilíbrio entre regulamentação e restrição. “Um endurecimento legislativo pode ser necessário, sobretudo para detalhar sanções e procedimentos de verificação de conteúdo, mas deve vir acompanhado de garantias que resguardem direitos fundamentais como liberdade de expressão e de imprensa”, alerta.
Janaína Leonardo Garcia, mestre em comunicação na Faculdade de Inovação e Tecnologia Senac-DF, ressalta que “os algoritmos reforçam bolhas políticas, limitando o acesso a diferentes pontos de vista e influenciando a maneira como o eleitor avalia as situações”.
Transparência
Para o Roberto Beijato Júnior, doutor em Filosofia do Direito e especialista em Direito Eleitoral, a ausência de uma regulamentação mais firme pode comprometer a transparência do processo democrático. “As redes exercem, hoje, um papel protagonista na esfera eleitoral, sem a necessária regulação de suas atividades. Tratase de muito poder nas mãos de pouquíssimas pessoas”, afirma.
Segundo Felipe Rodrigues, cientista político pela UnB, a preocupação é global, mas “ainda não há evidências que as informações falsas tenham sido combatidas como esperava”, observa.
Diante da ascensão da IA e da crescente fragmentação do eleitorado, o pleito de 2026 será um teste crucial para a regulamentação digital no Brasil. O desafio é equilibrar transparência, liberdade de expressão e responsabilização, evitando que a desinformação e conteúdos manipulados coloquem em risco a integridade democrática.