Correio Braziliense, n. 22650, 26/03/2025. Política, p. 3
Ex-presidente critica julgamento
Maiara Marinho
Luana Patriolino
Isabela Stanga
Acusado de comandar as ofensivas para tentar um golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro compareceu de surpresa ao primeiro dia do julgamento da denúncia na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro chegou por volta das 9h25 e se sentou na primeira fila para acompanhar a sessão. Acompanhado de advogados, passou grande parte do tempo em silêncio e usou o celular diversas vezes.
Cerca de 20 minutos após a chegada de Bolsonaro ao STF, a conta dele no X (antigo Twitter) fez uma publicação comparando o julgamento com o jogo entre Brasil e Argentina, que ocorreu ontem à noite.
“Brasil e Argentina em campo hoje às 21h no Monumental de Núñez. Vamos torcer pelos nossos garotos voltarem com a vitória. Já no meu caso, o juiz apita contra antes mesmo de o jogo começar… e ainda é o VAR, o bandeirinha, o técnico e o artilheiro do time adversário; tudo numa pessoa só”, postou.
Às 16h16, com o julgamento em curso, publicou outra mensagem em suas redes sociais, em que criticou o STF, argumentando que a Corte tem alterado suas regras e jurisprudência de forma específica para determinados casos e réus.
“Em dezembro de 2023, com a PET 12.100 já em curso, o STF alterou seu Regimento Interno para que as ações penais originárias deixassem de ser julgadas pelo plenário e passassem a tramitar nas Turmas. Agora, a apenas duas semanas do meu julgamento, o STF mudou novamente seu entendimento sobre a prerrogativa de foro, ampliando sua competência para alcançar réus que não exercem mais função pública — contrariando jurisprudência consolidada desde 2018”, argumentou Bolsonaro.
“No meu caso, a própria acusação afirma que os supostos atos teriam ocorrido durante e em razão do exercício da Presidência da República, o que atrairia não só o foro por prerrogativa de função (segundo eles mesmos!), mas todas as garantias a ele inerentes — incluindo o julgamento pelo plenário, nos termos do art. 5º, I, do Regimento Interno do STF, que estabelece expressamente essa competência quando se trata de crime comum atribuído ao presidente da República”, completou.
Bolsonaro chegou e foi embora do STF pela garagem da Corte, onde o acesso é restrito. “Vim continuar buscando a normalidade, sem invadir prédio público”, afirmou aos jornalistas.
Logo em seguida, disse ter cooperado com a transição no Palácio do Planalto, após a derrota sofrida nas eleições presidenciais de 2022.
“Em dezembro, nomeei os comandantes militares que o Lula pediu para nomear. O ministro da Defesa me procurou para ajudar na transição dentro das Forças Armadas. Foram abertas todas as portas para ele”, frisou.
Para ele, as acusações foram feitas de maneira parcial pela Polícia Federal, sem nada que as fundamentem. “Eu estou bem, a gente sempre espera justiça”, destacou.
Citação a Lula
O ex-presidente afirmou que vai aguardar o fim do julgamento e que não sabe o que esperar da decisão da Corte. “Os advogados vão levantar a tese de novo sobre foro (privilegiado). Onde o Lula foi julgado? Primeira instância. Há poucas semanas, mudou-se o entendimento de foro. Para exatamente eu ficar na Primeira Turma, depois questionaram a questão de plenário. Estão mantendo ainda na Primeira Turma. E outros casos também, a Débora, a do batom (na estátua da Justiça), é para ser julgado aqui ou primeira instância?”, questionou.
Ele voltou a questionar a validade da delação de seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, que avaliou como “forçada”. “Conheço com profundidade toda jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Isso vai ser levantado, inclusive, eu estou com a delação. A Lava-Jato tem quase 200 delações, a minha teve uma completamente irregular, do começo ao fim. Um vaivém do delator, que estava ali pressionado de prender a esposa e a filha dele. Ou não era?”, disse.
Bolsonaro ainda alegou que os advogados das defesas não tiveram acesso aos vídeos das delações e contaram com apenas duas semanas “para se defender de um processo de mais de 100 mil páginas, uma quantidade grande também de vídeos e áudios”.
Frase
"No meu caso, o juiz apita contra antes mesmo de o jogo começar… e ainda é o VAR, o bandeirinha, o técnico e o artilheiro do time adversário; tudo numa pessoa só”
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
Tumulto e desembargador preso
No início da sessão na Primeira Turma do STF, quando as defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e de sete aliados dele iam arguir no julgamento da denúncia da Procuradoria-Geral da Re pública (PGR), deputados federais e advogados de defesa foram impedidos de entrar no local, por falta de credenciamento, o que causou tumulto na Corte.
Enquanto o relator, ministro Alexandre de Moraes, lia o documento sobre o caso, o desembargador aposentado Sebastião Coelho, advogado de Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro e um dos 34 denunciados pela PGR, gritava “arbitrários” na porta do colegiado. Ele foi contido e retirado do local por seguranças da Corte.
Ao Correio, Edson Marques, que atua na defesa de Martins com Coelho, disse que os dois foram informados pela própria Corte, por telefonema na noite anterior, que advogados de defesa não precisavam de credencial para acessar o local.
O caso de Martins não estava em análise no STF, que deverá ser apreciado posteriormente. Mais tarde, Coelho foi detido pela Polícia Judicial do STF por desacato e liberado em seguida.
A assessoria do STF informou que Coelho não seguiu o trâmite correto de credenciamento exigido pelo tribunal. “O desembargador Sebastião Coelho não se credenciou previamente para participar e havia orientação de credenciamento prévio por parte de advogados. Por isso, foi encaminhado para acompanhar a Segunda Turma”, destacou.
Parlamentares líderes da oposição na Câmara também foram impedidos de acessar a Primeira Turma. Segundo o deputado Carlos Jordy (PL-RJ), o local estava lotado e não seria possível a entrada deles. “Nos ofereceram o quarto andar para ficar assistindo em tela. Assisto do meu gabinete, pô. Falta de respeito com os deputados”, reclamou.
Antes de saírem frustrados do STF, os parlamentares reforçaram o apoio incondicional a Bolsonaro. Entre eles, estavam os deputados federais Luciano Zucco (PL -RS), Zé Trovão (PL-SC), Ubiratan Sanderson (PL-RS) e o Capitão Alden (PL-BA).
Na avaliação de Zucco, líder da oposição na Câmara, os advogados de defesa mostraram “a fragilidade das acusações”. Ele reforçou que “a oposição na Câmara fará a sua obstrução como uma ação clara de repúdio ao que estamos vendo numa semana onde se libertam possíveis envolvidos em Lava-Jato, de bilhões de dólares, e condenam uma mãe”, disse, ao criticar as condenações feitas pelo STF aos envolvidos no atentado de 8 de janeiro.
“A Débora, que por causa de um batom e de uma frase repetida por um ministro, está sendo condenada a 14 anos”, exemplificou o deputado. “Vamos reverter (a decisão) na Justiça porque, até agora, o que parece é que há um movimento político e não jurídico em torno das acusações, não só do presidente Bolsonaro, mas também dos demais envolvidos”, completou.
Zucco comentou que, na próxima semana, serão apresentadas as assinaturas do projeto de anistia, em regime de urgência, para que seja votado. O texto prevê o perdão aos golpistas do 8 de Janeiro.
“O lado técnico aqui hoje mostra que não houve golpe algum e que a gente precisa, neste momento, em que tenhamos aqui a possibilidade de voltar para nossas casas, liberar essas pessoas que estão sendo presas injustamente”, ressaltou. (MM e LP)
Mágoa de bolsonarista
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) rebateu, ontem, as acusações do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que responsabilizou a parlamentar por “tirar o mandato” de sua chapa na eleição presidencial de 2022.
“Não acho justo. Eu sempre o defendi, estou com depressão, sendo julgada, e, no pior momento, ele falar dessa forma é trazer muito peso para as minhas costas”, disse, em entrevista ao blog da Andreia Sadi, no G1.
Bolsonaro atribuiu a derrota na eleição de 2022 à deputada, que sacou uma arma e perseguiu um apoiador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma rua de São Paulo, na véspera do segundo turno.
“A Carla Zambelli tirou o mandato da gente”, disse Bolsonaro, ao relembrar o episódio durante participação no podcast Inteligência Ltda. na segunda-feira.
Para o ex-presidente, os eleitores associaram a atitude à sua política de defender a ampliação do porte de armas, o que teria lhe custado votos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, ontem, para condenar Zambelli por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal com uso de arma de fogo.
Além dos cinco anos e três meses de prisão, a condenação pode resultar na perda do mandato da deputada federal. Apesar da maioria estar formada, o julgamento ainda não foi encerrado e a condenação não será imediata. Além disso, ainda cabem recursos.