Correio Braziliense, n. 22652, 28/03/2025. Política, p. 2

Nem os acenos de Fux devem mudar julgamento
Luana Patriolino


Os posicionamentos do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados, acenderam a esperança nas defesas dos réus da trama golpista. O magistrado acompanhou o voto do ministro relator Alexandre de Moraes pela abertura da ação penal, porém, apresentou divergências sobre a apreciação do caso ocorrer na Primeira Turma e questionou a dosimetria de pena para os extremistas do 8 de Janeiro.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, apesar dos acenos, Fux é voto vencido na Cor te, e seus posicionamentos não devem surtir efeito no trâmite ou no resultado do processo.

O advogado e analista político Melillo Dinis destaca que as divergências são parte da força das decisões coletivas. Ele minimiza o entusiasmo da defesa por causa da discordância do magistrado. “Diante da complexidade do caso submetido à Primeira Turma, é importante que sejam oferecidos todos os pontos de vista jurídicos, entre eles, o do ministro Fux, uma das vozes mais importantes da atual composição da Corte”, diz. “Suas ponderações partem de um amplo campo jurídico, que ele descortinou com muita argúcia. É uma linha de condução, e sua magistratura é muito sólida. Fora disso, qualquer avaliação sobre o que ele decidirá é meramente aposta”, completa.

O cientista político André César também aponta que, apesar dos acenos, os posicionamentos de Fux não devem alterar o trâmite nem o resultado da ação penal. “No limite, pode atrasar o processo, mas não vai ser mais que isso. No julgamento final, eu não creio que ele vá divergir mais do que isso”, conclui.

Por unanimidade, a Primeira Turma do STF transformou em réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados por tentativa de golpe de Estado. Integrantes do colegiado, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin seguiram integralmente o voto de Moraes.

Fux, no entanto, manifestou preocupações sobre a tipificação de delitos definidos pela PGR e a dosimetria das penas que poderão ser aplicadas em caso de condenação. Um dia antes da sessão na Turma, ele suspendeu o julgamento da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou “perdeu, mané” na estátua A Justiça durante os atos golpistas de 8 de janeiro.

Ela está presa desde 17 de março de 2023, após ser detida durante a Operação Lesa-Pátria. Moraes propôs a pena de 14 anos de prisão. “Julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de Janeiro. Eu fui ao meu ex-gabinete, que a ministra Rosa (Weber) era minha vice-presidente, vi mesa queimada, papéis queimados. Mas eu acho que os juízes na sua vida têm sempre de refletir dos erros e dos acertos”, ponderou Fux.

Delação de Cid

No julgamento, os ministros também comentaram sobre a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência. Os magistrados concordaram que a validade da colaboração seria discutida após o recebimento da denúncia, durante a ação penal.

No entanto, segundo Fux, era a preliminar mais complexa sob análise, e mostrou ressalvas em relação à delação. “Há uma regra de que quem participa do processo tem que fazer de boa-fé. E delação premiada é algo muito sério. Nove delações representam nenhuma delação. Tanto houve omissão que houve nove delações”, disse.

Na sessão, os advogados dos acusados questionaram o fato de o caso ser julgado pela Primeira Turma e não pelo plenário da Corte. O processo ficou no colegiado devido a mudanças internas do STF. Em 2023, foi restabelecida a competência das Turmas para analisar casos penais, ou seja, investigações e processos em que se apura se houve crime. Apenas Fux divergiu dos demais ministros, pois, segundo ele, a dimensão do caso exige a apreciação dos 11 integrantes.

Para a advogada Karolyne Guimarães, especialista em direito penal, todas as divergências do ministro são válidas. “Ele entende que há indícios, mas que é preciso averiguar melhor as circunstâncias para verificar a credibilidade das provas, a comparação de uma prova com outra, a base. Tudo isso para ver se realmente é possível que essa delação seja subsidiada também por outras provas”, aponta.

Especialista em direito processual civil, o advogado Wagner Roberto Ferreira Pozzer enfatiza que o integrante da Suprema Corte atua dentro dos limites da lei. “A eventual reavaliação desses aspectos, ainda que possa gerar expectativa entre outros réus, não se confunde com impunidade: reafirma o compromisso do Judiciário com um julgamento justo, mesmo diante de condutas graves”, diz.

Com a instauração da ação penal no Supremo, haverá a fase de produção de provas por parte da acusação e dos advogados de defesa. Nesse momento, serão coletadas materialidades, realizadas oitivas de testemunhas e analisados todos os documentos que possam reforçar ou enfraquecer a acusação.