O GLOBO, n 32.323, 04/02/2022. Economia, p. 13

PEC estende redução de imposto à gasolina

Manoel Ventura e  Dimitrius Dantas


Proposta apresentada no Congresso por deputado foi escrita por um secretário da Casa Civil. Medida não teve o aval da equipe econômica, que defendia corte apenas para o diesel. Impacto fiscal será de R$ 54 bi por ano

Com a volta do recesso parlamentar, ganhou forma ontem no Congresso Nacional a proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza o governo a reduzir os impostos federais sobre os combustíveis em 2022 e 2023. O texto é mais abrangente que o desejado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e permite zerar os tributos sobre a gasolina, e não só sobre o diesel.

O impacto calculado pela equipe econômica é de R$ 54 bilhões por ano. Embora tenha sido apresentada formalmente pelo deputado federal Christino Áureo (PP-RJ), o parlamentar foi só o mensageiro da vontade do Palácio do Planalto. O texto da proposta foi escrito por um secretário da Casa Civil.

A medida pode ajudar a conter a inflação que está acima de 10% ao ano em ano eleitoral. A proposta nascida no Executivo ainda autoriza que os estados reduzam os impostos, numa estratégia para pressionar os governadores — constantemente apontados pelo presidente como culpados pela alta dos preços.

Somando Cide e o PIS/Cofins, o imposto federal sobre a gasolina é de R$ 0,69 por litro. Sobre o diesel, o valor é de R$ 0,33. “União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em decorrência das consequências sociais e econômicas da pandemia da Covid-19, poderão promover nos anos de 2022 e 2023 a redução total ou parcial de alíquotas de tributos de sua competência incidentes sobre combustíveis e gás", diz o texto da PEC.

A proposta é mais ampla e de trâmite diferente do que defendia Guedes. Ele aceitava zerar apenas os tributos federais sobre o diesel e sem PEC, por meio de um projeto de lei (que permite vetos e tem uma tramitação mais simples). A PEC não teve participação do Ministério da Economia e nem conta com aval da pasta.

Uma cópia da proposta obtida pelo jornal Valor Econômico mostra que o texto foi redigido de dentro do Palácio do Planalto: os metadados contidos no arquivo com a proposta indicam que o autor do texto seria o subchefe adjunto de Finanças Públicas da Casa Civil, Oliveira Alves Pereira Filho.

Os metadados funcionam como uma espécie de RG de cada arquivo em um computador. Uma outra cópia obtida pelo GLOBO não tem mais o nome do auxiliar da Casa Civil, mas indica que o arquivo foi novamente modificado às 14h50 de ontem, três minutos após a publicação da reportagem do Valor.

O governo decidiu não apresentar a PEC por entender que a redução dos impostos pode ser vista como um benefício, o que é vedado pela lei em ano eleitoral.

Desde que a ideia da PEC surgiu no governo, a proposta sofreu diversas modificações. Inicialmente, a proposta também reduziria os impostos sobre a energia elétrica e criava um fundo para baratear os combustíveis, mas a PEC não incluiu essas medidas. Se a energia elétrica for incluída na desoneração, a perda de arrecadação sobe para R$ 75 bilhões.

Auxiliares de Guedes vinham dizendo que uma redução generalizada de impostos teria mais impactos negativos que positivos. A tendência é fazer o dólar subir, diante da perda de arrecadação, com pressão sobre os preços. Além disso, a alta do barril de petróleo, que tem ficado perto de US$ 90 pode consumir rapidamente a economia criada com a redução dos impostos, sem reflexo nos preços ao consumidor.

OUTROS IMPOSTOS

Para reduzir o imposto sobre os combustíveis, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) exige uma compensação (seja por aumento de receita ou corte de despesa), porque se trata de um benefício a um setor específico.

A PEC apresentada ontem se sobrepõe à LRF e diz que a redução dos tributos só terá que respeitar as exigências de apresentar a estimativa do impacto orçamentário e financeiro das medidas adotadas, estar de acordo com as metas anuais de resultado fiscal e constar das leis orçamentárias.

A PEC também permite a redução de impostos como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Para isso, porém, hoje a lei já dispensa compensação.