O GLOBO, n 32.323, 04/02/2022. Política, p. 4
NOVA MORADA BOLSONARISTA
Jussara Soares e Bruno Góes
Ala “ideológica” segue presidente e prepara filiação em peso ao PL, pilar do antes criticado Centrão
Dois meses após a filiação de Jair Bolsonaro ao PL, o partido comandado por Valdemar Costa Neto começa a ser remodelado para receber os apoiadores mais radicais do presidente da República. Anteontem, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles assinou a sua ficha de filiação. No mesmo dia, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) acertou seu ingresso na legenda. O próximo que pode entrar na sigla é Daniel Silveira (PSL-RJ), que ficou preso por sete meses no ano passado após ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
O embarque coletivo será engrossado na próxima janela partidária por vários deputados eleitos na onda bolsonarista de 2018, que teve como uma de suas bases a crítica ao fisiologismo, do qual o PL é um dos expoentes. O movimento não está restrito a nomes que já estão na política. Conhecida como Capitã Cloroquina, a secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, já se filiou com vista às urnas. Amigo da família presidencial, o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, prepara a entrada no partido e pode concorrer a deputado federal.
O aliado de atuação mais radical na política, o deputado Daniel Silveira, está em alta com a família Bolsonaro. O presidente tem dito a aliados que Silveira é hoje o melhor nome para a disputa ao Senado no Rio de Janeiro. Bolsonaro enxerga em Silveira uma alternativa com maior apelo entre seu eleitorado, mesmo sabendo que o parlamentar vai entrar na campanha com o ônus de ter sido enquadrado pelo STF.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Silveira se reuniram anteontem no Rio para discutir a corrida ao Senado. O deputado quer ingressar no PL, mas para isso seria preciso buscar uma solução interna com Romário, que já está no partido. Uma das opções é convencer o senador a desistir de tentar a reeleição, com argumento de que as pesquisas indicam que ele teria poucas chances. Nesse cenário, Romário precisaria aceitar uma candidatura a um cargo de deputado federal ou estadual. Caso esse acordo não ocorra, Silveira pode ingressar no PTB ou outro partido ligado à base do governo, de preferência. Há ainda a possibilidade de o vice-presidente, Hamilton Mourão, disputar o mesmo cargo com apoio do Planalto.
Questionado pelo GLOBO sobre quem deverá estar no palanque fluminense do presidente, Flávio, que é coordenador da campanha à reeleição de seu pai, disse que até este momento não há uma definição.
— Seriam três candidaturas fortes que o presidente teria no palanque. Divide voto, mas não tem muito consenso sobre isso. Se os três quiserem vir candidato, eles virão —disse o senador.
Já Salles, a mais recente aquisição do PL, deve ser candidato a deputado federal em 2022. O ex-ministro teve atuação marcada pelo boicote aos instrumentos de fiscalização do desmatamento da Amazônia, inclusive com atuação de tentar interferir em investigações da Polícia Federal.
— Como sempre disse: vou sempre estar com o presidente. Ele foi para o PL, eu fui também.
Nas próximas semanas, parlamentares bolsonaristas devem seguir o exemplo de Eduardo Bolsonaro e Salles e selar acordos para filiação. É o caso de Bia Kicis (PSL-DF), Filipe Barros (PSL-PR), Bibo Nunes (PSL-RS), entre outros integrantes da tropa de choque do presidente no Congresso. Durante a janela partidária de março, que autoriza políticos a mudarem de legenda sem serem penalizados, aliados estimam que cerca de 20 deputados federais poderão chegar ao PL.
A migração coletiva altera o perfil da sigla que é um dos pilares do centrão, o grupo de partidos que privilegia o pragmatismo eleitoral a posicionamento ideológicos. Boa parte dos nomes que agora engrossa as fileiras do PL costuma pautar a própria atuação em bandeiras claras, de centro e direita, enquanto quadros históricos da legenda já apoiaram governos petistas, por exemplo.
Em 2023, Valdemar planeja ter uma bancada de 60 deputados e 15 senadores.
—Tenho mantido conversas com o PL, estão bem avançadas. Mas também tenho uma conversa com PP. Neste momento, há sim esse movimento de filiação ao PL dos apoiadores do presidente Bolsonaro. Tudo indica que isso deve mesmo ocorrer —diz Filipe Barros.
Embora vários bolsonaristas de raiz já estejam com um pé dentro do PL, outros negociam com as demais siglas do centrão. A estratégia visa a atender o maior número possível de partidos aliados do presidente, distribuindo entre essas legendas nomes do grupo com forte potencial de eleitoral, que podem puxar votos e contribuir para a formação de uma bancada numerosa no Congresso. Bolsonaro, inclusive, já foi cobrado por presidentes de partidos aliados, como Marcos Pereira, do Republicanos, para impedir que todos seguissem para o mesmo destino. A ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), por exemplo, está inclinada a seguir com o Republicanos.
Há ainda um movimento orquestrado por bolsonaristas para filiar Carla Zambelli (PSL-SP) ao PP. A ideia seria aproveitar a chegada da parlamentar para fazer com que o partido apoie Tarcísio de Freitas ao governo do estado.
À frente do plano, contudo, existem obstáculos políticos. O presidente do diretório do PP paulista, o deputado federal Guilherme Mussi, foi reconduzido ao cargo em convenção realizada na segunda-feira. Ele conta com maioria para apoiar Rodrigo Garcia (PSDB), candidato de João Doria. Por isso, dificilmente haverá uma reviravolta.
— Para ser bem sincero e objetivo: vai ser tudo decidido na janela partidária, se vamos apoiar Tarcísio ou Rodrigo Garcia. Vai ser deixado mais para frente. Vamos avaliar quais serão as perdas e ganhos. Eu tenho um posicionamento pessoal de estar com o Rodrigo (Garcia) aqui em São Paulo, mas vamos avalia rever a posição dos integrantes do diretório — disse Guilherme Mussi ao GLOBO.
PROBLEMAS NOS ESTADOS
No estado, deputados estaduais também devem migrar para o PL, como Major Mecca, Gil Diniz, Castello Branco, Letícia Aguiar, Coronel Telhada, Carlos Cezar e Conte Lopes.
Fora das casas legislativas, outra aliada de Bolsonaro, Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”, também se filiou ao PL. Ela foi indiciada pela CPI da Pandemia pelos crimes de prevaricação; epidemia com resultado de morte; e crime contra a humanidade. Durante a crise de oxigênio ocorrida em Manaus, uma comitiva de médicos percorreu as unidades de saúde da cidade para divulgar o chamado “tratamento precoce”, cuja ineficácia contra Covid-19 é comprovada.
As negociações de aliados do presidente com o PL, porém, criaram nós em alguns estados. Reservadamente, bolsonaristas reclamam que, no Espírito Santo, o ex-senador Magno Malta tem ignorado o pedido de filiação de alguns personagens. Chefe local do partido, ele se nega, por exemplo, a aceitar a entrada da deputada Soraya Manato (PSL-ES) na sigla, o que gera constrangimento. Procurado, Malta não retornou.
Vice-presidente do PL, o apoiador de Bolsonaro e líder da bancada da bala na Câmara, Capitão Augusto (SP), terá a missão de organizar um movimento para filiar apoiadores do presidente da República. Além disso, tentará estruturar a legenda para impulsionar as redes sociais da sigla.
— Hoje somos o oitavo partido em número de filiados, temos 300 mil. Com o Bolsonaro, queremos chegar a um milhão até março.
As filiações devem também alcançar influenciadores e apoiadores do presidente que fazem sucesso nas redes sociais. No Ceará, por exemplo, o deputado estadual e youtuber André Fernandes trocou o Republicanos pelo PL.