O GLOBO, n 32.324, 05/02/2022. Economia, p. 15

RISCO ELEITORAL

Manoel Ventura e Julia Lindner



Economia enfrenta bomba fiscal superior a R$ 100 bi com a volta do Congresso

A apresentação, pelo deputado federal Christino Áureo (PP-RJ), com aval do presidente Jair Bolsonaro, da proposta de emenda à Constituição (PEC) para reduzir os impostos sobre os combustíveis com um escopo bem maior do que fora acordado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, intensificou a preocupação entre os técnicos da equipe econômica de que esta pode ser a primeira de várias ameaças fiscais deste ano eleitoral. Há o receio de novos projetos que entram no Congresso com elevado risco para as contas públicas. 

No mesmo dia, começou a tramitar no Senado uma PEC ainda mais ampla, já chamada por auxiliares de Guedes de “PEC Kamikaze”. Se a proposta da Câmara já teria um impacto robusto, de R$ 54 bilhões, o texto do Senado sobe a fatura para mais de R$ 100 bilhões. Ela também permite a redução dos impostos federais sobre combustíveis, mas vai além: cria um vale-diesel de R$ 1.200 mensais para caminhoneiros, transfere recursos para o setor de ônibus urbano e amplia o vale-gás para famílias de baixa renda. 

Também chamada por integrantes da equipe econômica de “PEC da Irresponsabilidade Fiscal ”, a proposta conta com a simpatia do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), segundo a opinião de diversos parlamentares, sob sigilo. Para técnicos do Ministério da Economia, ela pode ter efeito contrário ao desejado pelo governo, ao fazer o dólar subir e prejudicar diversos setores.

ALÉM DOS COMBUSTÍVEIS

A discussão sobre os combustíveis é mais evidente, mas em tramitação no Congresso preocupam integrantes do Ministério da Economia, como o Refis para todas as empresas. Com a volta do Congresso, devem crescer as pressões por mais gastos e por renúncia de receita sem compensação.

O temor, também, é da alta imprevisibilidade dos parlamentares em ano eleitoral, quando deputados e senadores costumam concentrar seus trabalhos nos primeiros meses do ano. As possibilidades são amplas e, muitas vezes, imprevisíveis.

No horizonte, o Congresso deve derrubar na próxima semana o veto presidencial ao Refis para empresas inscritas no Simples Nacional, que representa impacto de R$ 1,7 bilhão. A Câmara tem entre suas prioridades um novo programa de renegociação de dívidas que favorece grandes empresas devedoras, cujo impacto líquido é de R$ 92 bilhões e o projeto já passou no Senado. 

Na avaliação de lideranças parlamentares, ao mesmo tempo que a equipe econômica argumenta que é preciso garantir a arrecadação nesse caso, deve prevalecer o argumento do setor produtivo.

— O Ministério da Economia tem preocupação com a receita, mas o país tem batido recorde de arrecadação. O Congresso tem uma visão de que é hora de abrir mão de alguma arrecadação para valorizar quem produz no Brasil, principalmente os pequenos empresários, que geram mais empregos — disse o líder do DEM, Efraim Filho (PB). 

Correligionário do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, Áureo protocolou uma PEC escrita no Palácio do Planalto, como atesta o próprio documento com o texto da medida distribuído pelo deputado a colegas da Câmara. Não houve qualquer aviso à Economia sobre o teor da proposta, e Bolsonaro deu aval ao projeto, de acordo com fontes do Planalto. Para integrantes do governo, o episódio evidencia a imprevisibilidade que marcará todo e qualquer projeto a ser votado no Congresso este ano. 

Mesmo dando publicamente a ideia de algum tipo de composição com o Ministério da Economia, o Centrão buscará “turbinar” todo e qualquer projeto que possa favorecer a popularidade do presidente e a formação de bancadas fortes nas eleições de 2022, na leitura de membros do governo e do Congresso. Na avaliação de alguns parlamentares, Guedes mantém o discurso para dar uma sinalização favorável ao mercado, mas sabe que não vai conseguir segurar os anseios do Centrão, ainda mais em ano eleitoral. 

Em outra frente, os governadores e prefeitos pressionam o governo federal a ajudar a pagar a conta criada por Bolsonaro quando ele decidiu dar um reajuste de 33% no piso salarial dos professores da educação básica. O impacto total deste reajuste é estimado em R$ 30 bilhões para estados e municípios, que se movimentam para dividir a conta com a União.

— A condução errática da política fiscal gera custos relevantes, especialmente com a rolagem da dívida pública, e deve ser evitada, a exemplo da redução discricionária e casuística sobre combustíveis. O subsídio a combustíveis fósseis, mais poluentes, em plena transição global para uma economia de baixo carbono é inconveniente — disse Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital. 

Na próxima semana, a Câmara votará uma medida provisória (MP) que cria um programa habitacional voltado a policiais militares. O relatório da medida libera o financiamento com juros subsidiados para profissionais com o “nome sujo” na praça. Embora sem impacto fiscal, a proposta mostra o apetite por bondades em ano eleitoral.

Para completar, o governo ainda é pressionado por servidores a conceder reajustes salariais a todos o funcionalismo, depois da decisão de Bolsonaro de aumentar apenas os salários dos policiais federais. Chegou a ser aventada a hipótese de trocar o aumento salarial por benefícios, mas a ideia, gestada na Economia, foi abandonada pela própria pasta. A decisão sobre reajuste de servidores deve ser tomada até o fim de março.