O GLOBO, n 32.324, 05/02/2022.Mundo, p. 21

Apoio da China à Rússia não é incondicional

Macarena Vidal Liy Do El País PEQUIM


Piora da relação com EUA acentuou parceria após anos de rivalidade, mas Pequim não está pronta a sacrificar outros interesses globais

Poucos líderes mundiais se reuniram tantas vezes como Xi Jinping e Vladimir Putin: 38. Mas, desde o encontro que ocorreu depois que a Rússia ocupou a Crimeia, há oito anos, nenhum causou tantas expectativas quanto o de ontem. A amizade cada vez mais intensa entre a China e a Rússia, depois de décadas de profunda desconfiança, beneficia ambos. Os dois percebem os Estados Unidos como um rival comum contra o qual se apoiam mutuamente.

 “A declaração conjunta em Pequim leva a entente sinorussa ao nível de uma frente comum para responder à pressão dos EUA contra a Rússia e a China na Europa, na Ásia e globalmente. Uma evolução importante de uma relação já muito próxima”, escreveu no Twitter Dmitri Trenin, do Centro Carnegie em Moscou. 

A reunião de ontem teve semelhanças com a de 2014. Na época, a Rússia estava contra as cordas. Sua economia sofria por causa das sanções ocidentais. A assinatura de um acordo de US$ 400 bilhões para o fornecimento de gás natural à China funcionou então como uma tábua de salvação: não apenas Moscou encontrava uma nova fonte de receita como também enviava a mensagem de que não estava isolada.

MAIS LONGE QUE ANTES

Aquele acordo marcou o aprofundamento de uma relação que, convertida em aliança informal, se fortalece em várias áreas. A China representa 20% do comércio russo, contra 10% em 2014. Os dois países fazem manobras militares conjuntas, e assinaram um memorando para construir juntos uma base na Lua. 

Como em 2014, a Ucrânia volta a ser o pano de fundo. O Ocidente tenta afastar o fantasma de uma invasão russa. E a China, agora consolidada como potencial mundial, volta a se perfilar como amiga de Moscou. 

Pequim já dera um passo além nessa aproximação na semana passada, quando, em conversa com o chefe da diplomacia americana, Anthony Blinken, o chanceler chinês, Wang Yi, apoiou a posição russa na Ucrânia e no Leste europeu, onde Moscou reclama da expansão da Otan. Wang disse então que “as preocupações razoáveis da Rússia devem ser levadas em conta” e que “não se pode garantir a segurança regional sobre a base da expansão de um bloco militar”. 

Essa declaração foi mais longe do que as que Pequim formulou sobre outras intervenções da Rússia, disse Evan Feigenbaum, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, de Washington. Antes da ocupação da Crimeia, que a China nunca reconheceu, Moscou não se alinhou com o Kremlin quando este enviou forças para a Geórgia para apoiar a secessão da região da Abcásia, exatamente nos Jogos Olímpicos de 2008. Desde então, porém, a relação entre China e EUA se deteriorou, e a Rússia ganhou valor como sócia. Segundo disse Feigenbaum, “entre a coerência de princípios e a realidade geopolítica, o governo chinês optou pela realidade geopolítica”.

As duas economias são complementares. A China pode prover a Rússia de infraestrutura e alta tecnologia, e Moscou fornece armamentos, produtos agrícolas e gás e petróleo. Os dois países resolveram suas disputas de fronteira, a maior do mundo, com 4 mil quilômetros, com um acordo que lhes permitiu realocar fundos e soldados. Segundo Alexander Gabuev, do Centro Carnegie de Moscou, a concentração de tropas russas na fronteira da Ucrânia “é consequência indireta do acordo fronteiriço com Moscou”.

LIMITES DE UMA ALIANÇA

Mas essa proximidade tem limites. Em Moscou, persiste certa suspeita do vizinho mais poderoso: a relação é “assimétrica”, e o sentimento é que a Rússia precisa mais da China do que vice-versa, diz Gabuev.

 —A China é muito pragmática e tem muita capacidade de pressão —afirma ele. 

Apesar de contemporizar, a China vê com ceticismo as intervenções da Rússia em apoio a movimentos separatistas, diante do temor de incentivar reclamações nesse sentido no seu próprio território. Nenhum dos dois lados teve interesse em formalizar sua aliança com um tratado.  

É difícil que o apoio chinês às ações da Rússia na Ucrânia vá mais longe que as declarações. Pequim mantém boas relações com Kiev, uma peça importante de sua rede mundial de infraestrutura, a Iniciativa Cinturão e Rota. A Ucrânia, além disso, é um importante sócio comercial: seu intercâmbio de produtos agrícolas cresceu 33% em 2021. 

A China, sobretudo, não deseja um conflito em que tenha que escolher entre o apoio a seu aliado e o cumprimento do que seriam duras sanções internacionais no caso de uma invasão da Ucrânia. Nem se arriscaria a se ver em confronto com a União Europeia, seu segundo parceiro comercial. 

Na conversa com Blinken, Wang pontuou que deseja uma solução da crise pela via diplomática. “A China apoiará qualquer esforço que se alinhe com a direção e o espírito” dos Acordos de Minsk, declarou. em referência ao cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia firmado em 2015, com França e Alemanha como mediadores.