O GLOBO, n 32.324, 05/02/2022. Mundo, p. 21
Para republicanos, invasão foi ‘discurso político legítimo’
Comitê nacional do partido aprova censura a dois deputados da legenda que investigam tomada do Capitólio por trumpistas
O Partido Republicano chamou oficialmente ontem a invasão do Capitólio por turbas trumpistas em 6 de janeiro de 2021 de “discurso político legítimo”, repreendendo dois de seus parlamentares que participam da investigação do episódio e que têm condenado o motim e o papel do ex-presidente Donald Trump na divulgação das mentiras eleitorais que incentivaram a tomada do prédio.
Uma votação esmagadora do Comitê Nacional Republicano (CNR) para censurar os deputados Liz Cheney, de Wyoming, e Adam Kinzinger, de Illinois, representa o clímax em mais de um ano de oscilação do partido, que começou com líderes da sigla condenando o ataque e a conduta de Trump, para em seguida passarem a minimizar e até a negar o ocorrido.
Ontem, o partido foi mais longe ao criticar Cheney e Kinzinger por participarem da investigação da Câmara dos Deputados sobre o ataque, dizendo que faziam parte da “perseguição de cidadãos comuns envolvidos em discursos políticos legítimos”.
Foi uma declaração extraordinária sobre o ataque, que resultou em nove mortes e 150 policiais feridos após apoiadores de Trump invadirem o Capitólio na tentativa de impedir a certificação da vitória do democrata Joe Biden na eleição de 2020, incitados pelas falsas alegações do então presidente de que o pleito fora fraudado.
A resolução de censura marca o esforço mais contundente do Partido Republicano de minimizar a invasão. Ao optar por punir dois dos seus legisladores, os republicanos aparentam ter adotado uma posição que muitos deles apenas insinuaram: que o ataque e as ações que o precederam eram aceitáveis. A moção de censura ocorre dias após Trump sugerir que, se eleito em 2024, avaliaria indultar os condenados pelo ataque de 2021, pela primeira vez reconhecendo seu objetivo de “derrubar” os resultados das eleições.
A resolução, cuja conteúdo foi divulgado antecipadamente pela Reuters, diz que as ações de Cheney e Kinzinger prejudicaram os esforços republicanos de reconquistar as maiorias nas duas Casas do Congresso, afirmando que o CNR “cessará imediatamente todo e qualquer apoio aos dois membros do partido.
Na prática, a medida facilita ao aparato republicano abandonar Cheney —que pretende buscar a reeleição este ano —e investir seu dinheiro e influência na sua principal desafiante nas primárias, Harriet Hageman, alinhada a Trump. Kinzinger já anunciara que não tentará se reeleger.
‘REFÉNS DE TRUMP’
Cheney disse que os líderes do partido “se tornaram reféns voluntários” de Trump. “Não reconheço aqueles do meu partido que abandonaram a Constituição para abraçar Donald Trump”, afirmou a deputada na quinta-feira. “A História os julgará. Nunca vou parar de lutar por nossa república constitucional”
Já Kinzinger disse que não se arrepende “da decisão de manter meu juramento de posse e defender a Constituição”.
Ontem, a maioria dos republicanos na Câmara tentou ignorar a resolução, não respondendo a perguntas. Os democratas, por outro lado, ficaram furiosos.
— O Partido Republicano está tão perdido que descreve uma tentativa de golpe e uma insurreição mortal como expressão política —criticou o deputado Jamie Raskin, de Maryland, membro da comissão da Câmara que investiga a invasão do Capitólio.