O Estado de S. Paulo, n. 48066, 24/05/2025. Metrópole, p. A23
Uma brasileira ‘Nobel’ de agricultura
A pesquisadora brasileira Mariangela Hungria da Cunha acaba de ser anunciada a vencedora do World Food Prize 2025, considerado o “Nobel” de agricultura e alimentação. A premiação consagra os mais de 40 anos de dedicação da pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) à produção de conhecimento para potencializar a produção agrícola do País.
A láurea foi criada pelo norte-americano Norman Borlaug, agrônomo vencedor do Nobel da Paz em 1970 por seu empenho no combate à fome. Como não existe um Prêmio Nobel na categoria agricultura e alimentação, é o World Food Prize que enaltece os cientistas que, com seus achados, contribuem para aumentar a quantidade, a qualidade ou o acesso a alimentos no mundo.
Engenheira agrônoma com mestrado e doutorado em pesquisas sobre a fixação biológica do nitrogênio, a pesquisadora da Embrapa Soja, que vive em Londrina (PR), ajudou a revolucionar a agricultura nacional. Nos últimos 40 anos, seus estudos resultaram em técnicas de aplicação de insumos biológicos em grandes plantações, antes reconhecidos como eficientes apenas em pequenas áreas.
Ao Estadão, a dra. Mariangela explicou que seu trabalho consiste em selecionar microrganismos e fazêlos “mais eficientes” com o objetivo de reduzir o uso de fertilizantes químicos. É por isso que o Brasil é o país com a maior taxa de inoculação do mundo na produção de soja, que também é o nosso principal grão exportado. Nada menos do que 85% da soja brasileira é cultivada com insumos biológicos. Para se ter uma ideia, se o Brasil tivesse usado fertilizante nitrogenado na última safra, os gastos teriam sido da ordem de US$ 25 bilhões.
Como se vê, a ciência aprimorou o plantio da soja, que ficou mais produtivo e menos custoso aos produtores – o que, por óbvio, tornou o grão brasileiro mais competitivo. Ao mesmo tempo, ajudou a proteger o meio ambiente. Por usar muito mais fertilizantes biológicos do que químicos, o Brasil deixou de emitir, na última safra, 230 milhões de toneladas de gás carbônico. Isso é mais um elemento de prova de que o País sabe produzir de forma sustentável.
Mas o sucesso da pesquisadora não se resume à soja. Mariangela Hungria da Cunha também liderou pesquisas que desenvolveram novas tecnologias para as culturas de feijão, milho, trigo e pastagens. É por toda essa dedicação à ciência, malgrado ao longo da carreira ter enfrentado dificuldades por atuar “num país onde o financiamento para pesquisa é muito irregular”, que, em outubro, a brasileira irá aos Estados Unidos para receber o prêmio.
Esse feito só foi possível porque o Brasil passou a investir pesado em pesquisa científica agropecuária há décadas. Por isso, o World Food Prize é também a coroação da longa trajetória de excelência da Embrapa na produção de conhecimento que culminou em técnicas sofisticadas para a agropecuária em seus diversos ramos.
Não menos importante, esse prêmio é também o reconhecimento da importância dos pequenos, médios e grandes produtores para o desenvolvimento econômico e social do País. Trata-se de honrosa conquista para uma mulher, para a ciência e para a agropecuária do Brasil. •