O GLOBO, n 32.325, 06/02/2025. Saúde, p. 21

PLANETA OMICRON

Constança Tatsch


Alta de casos de Covid faz países encararem acertos e problemas

Ao redor do mundo, letalidade da variante é determinada por conjunção de fatores, como adesão às medidas não farmacológicas, robustez do sistema de saúde, faixa etária da população, timing da vacinação e, principalmente, a dose de reforço.

Após o tsunami de casos provocados pela variante Ômicron em boa parte do planeta, alguns países enfrentam agora elevadas taxas de mortes diárias —embora não sejam equiparáveis aos óbitos provocados pela Delta ou Gama. As vacinas certamente são as principais responsáveis por evitar uma tragédia maior, mas há outros acertos (e problemas) que fazem a diferença, como a adesão às medidas não farmacológicas, um sistema de saúde forte, a faixa etária da população, o timing da vacinação e, principalmente, a dose de reforço.

Uma vacinação robusta, com alta adesão ao reforço, é a receita de sucesso do Chile e da Alemanha, que conseguiram, até agora, manter baixas taxas de mortalidade pela Ômicron. Os EUA seguem caminho oposto. Apesar da abundante oferta de vacinas, só 63% receberam as duas doses, graças à enorme desigualdade na adesão à imunização. No estado do Alabama, por exemplo, apenas 49% estão totalmente vacinados. Há condados no estado de Montana em que só 17% se imunizaram. Além disso, 43% dos americanos com 65 anos ou mais não receberam o reforço.

Para a epidemiologista e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Lucia Pellanda, a vacinação é fundamental, mas, sozinha, não soluciona a pandemia:

— O que faz um país ter mais ou menos mortes hoje pela Covid é uma interação de fatores: é preciso considerar, além da vacina, a questão social, a subnotificação, a rede de saúde, a adesão da população às medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras. Na Europa estavam confiando só na vacinação e sabemos que ela é importante para reduzir morte e internação, mas sozinha não corta a transmissão. Não há solução mágica, é paciência e cuidado. 

Segundo Pellanda, os especialistas alertaram, ainda em dezembro, sobre a curva exponencial que mostrava a progressão rápida do vírus. 

—Muitos governos diziam ‘não está acontecendo nada’ e quando começa a acontecer já é tarde. A Covid era uma doença mais grave em março de 2020, mas tinha menos contaminados. Se há explosão de casos, com dez vezes mais infectados, mesmo o risco sendo dez vezes menor uma coisa equilibra a outra. Por isso, para mim, o principal é a adesão a medidas não farmacológicas.

CASOS CONCRETOS

Exemplos opostos mostram o que a epidemiologista diz. A população vacinada no Japão é de 79% e da Argentina, 76%. Os vizinhos deram mais doses de reforço: a cada cem pessoas, 29 argentinos receberam a dose, extracontra só quatro japoneses. Ainda assim, o país asiático conta 0,3 mortes por milhão contra 5,6 no país latino. Uma das hipóteses para justificar isso está na adesão às medidas de proteção. 

No Japão, o uso de máscara é um costume entranhado. Também há rigor nas medidas de controle. A Argentina liberou o uso de máscara em locais abertos em outubro e não voltou atrás nem quando o número de casos explodiu. A Ômicron chegou ao país no meio das férias de verão, com viagens, reuniões, além de praias e festas lotadas.

Pedro Hallal, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas, destaca ainda outro fator que faz a diferença na comparação entre os países: o timing da vacinação. 

—Descobrimos na pandemia que a imunidade, tanto a gerada pela infecção quanto pela vacina, têm prazo de validade. Se você olhar um país que vacinou há mais tempo e está mal na dose de reforço, terá mortalidade alta. Outro que vacinou mais recentemente terá mortalidade mais baixa porque a população está com imunidade alta —diz. 

Em agosto do ano passado, Itália e Grécia já tinham cerca de 50% das suas populações completamente vacinadas. Os dois países estão entre os cinco com maior proporção de idosos no planeta. E, como os programas de imunização começam pelos mais velhos, é de se esperar que no final do ano essas populações já estivessem com a imunidade em baixa. 

Não à toa, ambos os países adotaram, em janeiro, multas para pessoas acima dos 50 ou 60 anos que não estivessem com esquema vacinal completo. A Itália abriu o ano com 32,6% das pessoas com a terceira dose. Com a lei, alcançou 56% em fevereiro. Infelizmente, para muitos a Ômicron pode ter chegado antes do reforço.

 A dose de reforço se mostrou crucial no combate à nova variante. Levantamento britânico mostrou que seis meses após a segunda dose, a proteção contra a morte causada pela Ômicron foi de cerca de 60% nas pessoas com mais de 50 anos. Após o reforço, passou para 95%.

O Brasil tem visto a média de mortes crescer a patamares semelhantes a agosto de 2021. São 3 mortes por milhão de habitantes. Embora o país tenha boa cobertura vacinal, o avanço do reforço está baixo (22,8%) e as medidas não farmacológicas perderam adesão.

SUBNOTIFICAÇÃO

As populações de países pobres, com muita informalidade no mercado de trabalho, problemas educacionais e sistemas de saúde precários, certamente enfrentam mais obstáculos, mas olhando os dados isso não aparece tão claramente porque não há muita testagem, a notificação é ruim e as mortes nem sempre são investigadas. 

Quando a pandemia começou, o Peru, para se ter uma ideia, tinha 2,9 leitos de UTI por 100 mil habitantes — contra 20,6 no Brasil. O país, já teve, desde março de 2020, seis ministros da Saúde, enquanto mais de 70% da população trabalha no mercado informal. Esse cenário ajuda a explicar as 6,9 mortes diárias (por milhão de habitantes) que enfrenta hoje (no Brasil são 3). 

No entanto, nações com economias muito mais pobres não apresentam o mesmo número de mortes. A professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel, que tem pós-doutorado em epidemiologia pela Universidade Johns Hopkins, explica:

— Países com melhor sistema de saúde e informação vão ter mais casos e mortes porque tudo é investigado. A subnotificação nos países mais pobres é enorme. Se o sistema de saúde não é fortalecido, há pouca vigilância, testes, protocolos e muitas mortes não notificadas. A maior parte da África, por exemplo, é um mistério, enquanto a Europa tem muitas mortes.

O maior exemplo de subnotificação talvez seja a Índia, que no ano passado impressionou o mundo com cremações em massa. Estudo publicado na revista Science no dia 6 de janeiro, quando o país alegava ter 483 mil mortes provocadas pela Covid, indica que 3 milhões de pessoas morreram da doença no país — mais de seis vezes mais do que o governo contabiliza. Enquanto isso, apenas 51% dos indianos estão totalmente vacinados.