O GLOBO, n 32.326, 07/02/2022. Economia, p. 12
Idosos que fazem transações bancárias digitais aumentam
Júlia Lewgoy
Mas eles ainda são a minoria. Para especialistas, bancos devem se adaptar
Aos 80 anos, a professora aposentada Leda Rosa Longo faz todas as consultas, pagamentos e transferências no aplicativo do banco no celular. Isolada em casa, deixou de ir à agência no início da pandemia e se acostumou. Foi apenas mais uma tecnologia que ela decidiu aprender, depois da máquina de escrever, que ajudava a preparar as aulas, e do computador, que usa para ver vídeos de ciência e história no YouTube.
— Eu ainda não me sinto exatamente confortável com o aplicativo do banco no celular, mas a necessidade faz a gente andar. Não queria ficar para trás — conta. — Tenho medo do futuro, mas do presente não. Ainda enxergo bem e consigo aprender.
Leda faz parte de um grupo que aumenta, mas ainda é minoria no Brasil: o de idosos que fazem consultas, pagamentos e transações financeiras on-line. Entre quem tem 60 anos ou mais, os usuários de internet saltaram de 16% para 50% entre 2015 e 2020, segundo dados da pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Na mesma faixa etária, quem faz consultas, pagamentos ou outras transações financeiras on-line passou apenas de 29% para 35% no período, ou seja, um ritmo bem mais lento. O número ainda é baixo em comparação ao de pessoas com 60 anos ou mais que usa a internet para se comunicar. Destes, 90% enviam mensagens instantâneas, e 74% conversam por chamada de voz ou vídeo.
Enquanto os bancos incentivam que as transações sejam feitas pelo celular, que já é responsável por mais da metade das operações bancárias no Brasil, a realidade dos 32 milhões de idosos brasileiros é bastante diversa.
A maioria não chega tão bem a essa idade e tem dificuldade para aprender a fazer transações bancárias no celular, diz a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da UFRJ e autora de “A invenção de uma bela velhice ”. Enxergar números pequenos dos boletos ou da tela pode ser difícil, e aprender nova linguagem pode não ser intuitivo para todos.
QUESTÃO DE ESCOLHA
O segundo maior grupo, segundo Mirian, simplesmente não deseja perder o seu tempo aprendendo a digitar números no celular. E há uma terceira parcela, diz, que faz questão de aprender, porque se sente autônoma e dona das próprias responsabilidades:
— É um preconceito achar que a pessoa não tem capacidade de fazer as transações bancárias pelo celular porque é velha. Não existe apenas uma forma de envelhecer, e essa pode ser uma escolha.
Considerando que o IBGE projeta que a proporção de idosos na população do país praticamente do breda quia 30 anos, passando de 15% para 29%, especialistas dizem que os bancos precisam pensar em como atender essa população, para não excluir quem não consegue ou não quer usar a tecnologia.
Afinal, é um público promissor, que demandará, cada vez mais, serviços financeiros. Os idosos são os chefes de família de quase um quinto dos lares brasileiros, conforme dados do IBGE reunidos pela Fundação Getulio Vargas (FGV) Social.
— Às vezes, pequenas obviedades para usuários habituais de internet são barreiras que impedem o acesso aos serviços bancários — afirma Fabio Storino, coordenador da TIC Domicílios, do CGI.br. — Enquadrar o seu rosto em um quadradinho para alguém que tem menos firmeza na mão ou colocara digital de identificação para quem sofre com alterações nas marcas dos dedos é muito difícil.
Sem falar no medo dos golpes, que explodiram na pandemia. É maior entre os idosos do que no restante das faixas etárias a percepção de que, ao disponibilizar dados para empresas on-line, os riscos são maiores do que os benefícios.
ATENDIMENTO HUMANIZADO
Quanto menor a renda do idoso, maior a vulnerabilidade, destaca Ione Amorim, coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Alguns especialistas aconselham os bancos a chamarem os idosos para opinar sobre o desenvolvimento dos aplicativos e criarem canais de atendimento específicos, com um Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) próprio, por exemplo. Seria uma forma de dar um apoio mais humanizado, sem robôs do outro lado da linha, para ajudar a fazer as transações bancárias pelo celular ou internet banking.
—Os idosos precisam de um canal de suporte específico, com um acolhimento mais sensível — diz Storino, do CGI.br. — Os bancos não podem desprezar esse contingente expressivo de consumidores, com impacto econômico, nem disponibilizar serviços apenas pela internet.
No Itaú, maior banco privado do Brasil, os clientes idosos que usam canais digitais aumentaram 50% na pandemia, para 2 milhões de pessoas. Dos que começaram a usar nesse período, 90% continuaram mesmo após a vacina, conta Renato Mansur, diretor de canais digitais do Itaú.
Ele diz que o banco entrevistou 4 mil clientes dessa faixa etária para entender dificuldades e melhorar a acessibilidade do aplicativo. Mas destaca que a estratégia tem sido buscar melhorar atendimento digital e físico:
—O contato humano, não necessariamente dentro da agência, continua sendo super importante. O digital não supre tudo.