O GLOBO, n 32.327, 08/02/2022. Política, p. 5

Investigação sobre Moro gera “guerra'' interna no TCU

Malu Gaspar


Procuradores com visões opostas a respeito de apuração trocam acusações em despachos e acirram ânimos na Corte

Surpreendeu muita gente o pedido do subprocurador do Tribunal de Contas da União (TCU) Lucas Furtado para que os bens de Sergio Moro sejam bloqueados, no bojo da investigação do tribunal sobre o contrato entre o ex-juiz da Lava-Jato e a consultoria Alvarez & Marsal.

Dias antes, o próprio Furtado havia pedido o arquivamento dessa mesma investigação, dizendo que o TCU não tem competência para investigar contratos privados. Na ocasião, a empresa informou à Corte que o pré-candidato do Podemos à Presidência havia recebido R$ 3,5 milhões em 18 meses.

Agora, ele diz que encontrou “fatos novos”: a transferência de Moro para os Estados Unidos e inconsistências nos documentos apresentados pela consultoria que poderiam levar a alguma irregularidade fiscal —e que, por isso, é preciso bloquear os bens do ex-juiz. O relator, ministro Bruno Dantas, ainda não decidiu, e a investigação segue.

E, junto com ela, cresce uma guerra interna no TCU, com despachos desaforados e acusações entre os procuradores: Furtado, que pediu a abertura da apuração, e Júlio Marcelo de Oliveira, sorteado para atuar no processo — em meio às manifestações, até Dantas entrou na troca de farpas.

Na sexta-feira, Furtado disse que o pedido de arquivamento era uma “estratégia” para tirar Oliveira do caso:

— Ele queria entrar para blindar o Moro e a Lava-Jato.

Como pediu arquivamento, Furtado espera que o novo pedido dê origem a outra apuração — em que o rival não poderia mais atuar.

No início de janeiro, Oliveira acusou Furtado de extrapolar suas funções, atravessando

“Ele (Oliveira) queria entrar para blindar o Moro _ e a Lava-Jato” Lucas Furtado, subprocurador do MP junto ao TCU, sobre atuação de colega

ofícios e fazendo pedidos no processo em que ele atua, sem ter legitimidade para isso.

Na acusação, feita à corregedoria do Ministério Público junto ao TCU, Oliveira argumentou que o regimento determina que o procurador que pede a abertura de uma investigação deve ser excluído do sorteio que escolhe quem vai acompanhá-la, para evitar conflito de interesses. Oliveira foi sorteado, mas Furtado, que admite em seus ofícios não ser o procurador natural do caso, continuou enviando pedidos.

No final de janeiro, Furtado revidou e arguiu a Dantas a suspeição do colega por, segundo ele, ser amigo de Moro.

No documento, anexou postagens de Oliveira em que ele aparece ao lado do ex-juiz em eventos públicos. Numa das fotos, publicada logo depois de Moro deixar o governo Bolsonaro, Oliveira diz que ele foi “um gigante que sempre se colocou a serviço do Brasil”. O procurador diz que não é amigo do presidenciável e que só se encontrou com ele em eventos de trabalho.

A cronologia do processo mostra que a briga dos procuradores só esquentou depois que Moro se declarou pré-candidato à Presidência, em novembro do ano passado.

Iniciada em março de 2021, a investigação andava lentamente. Em agosto, a unidade técnica recomendou o arquivamento, alegando que o contrato estava fora da alçada do TCU, por não envolver recursos públicos.

No final de dezembro, Furtado pediu a Dantas que mandasse a Alvarez & Marsal dizer quanto havia pago a Moro.

No dia 7 de janeiro, antes que a resposta viesse, Oliveira apresentou seu parecer endossando as conclusões da unidade técnica e recomendando o arquivamento do processo. Em seguida, acusou Furtado de extrapolar suas funções.

Dias depois, Dantas rejeitou o arquivamento da ação, dizendo inclusive que o procurador não havia sido admitido por ele no processo. Sem mencionar o fato de Oliveira ter sido sorteado, ele escreveu que não havia justificativa para haver dois procuradores no caso e cutucou Oliveira: “Enfatizo que simpatia pessoal ou convergência ideológica não se confundem com interesse público”.

Nos corredores do TCU, os partidários de Oliveira dizem que Furtado está num jogo combinado com Dantas, notório crítico da LavaJato, para ganhar força no tribunal e se tornar ministro.

Na ala que defende a apuração , não apenas Oliveira é tido como um “lavajatista”, como se diz que ele tem influência sobre os membros da unidade técnica que recomendaram o arquivamento.

—Não tenho influência sobre os auditores e não conversei com ninguém da unidade técnica sobre esse processo ou qualquer outro. Eles me respeitam, pela minha independência e trajetória profissional, e eu os respeito muito —diz Oliveira.