O GLOBO, n 32.327, 08/02/2022. Política, p. 7
Transição reforça bolsonarismo na frente evangélica
Eduardo Gonçalves e Jan Niklas
Revezamento no comando da bancada entre deputados ligados a diferentes denominações expôs disputa entre igrejas nos últimos meses. Sóstenes Cavalcante deve suceder Cezinha de Madureira e quer dar diretoria no grupo a Eduardo Bolsonaro
Após uma disputa interna travada nas últimas semanas, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) afirmou ontem que entrou em um acordo com o atual presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), deputado Cezinha de Madureira (PSD -SP), para ser o novo líder do grupo. Em dezembro de 2020, os dois haviam combinado um revezamento na presidência da bancada, mas o entendimento passou a ser contestado no fim do ano passado.
Em seu segundo mandato na Câmara, Sóstenes já anunciou que pretende aproximar ainda mais o Palácio do Planalto da Frente Evangélica. O plano é convidar os deputados Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Helio Lopes (PSL-RJ) —um dos filho e o amigo do presidente da República— para assumirem diretorias na bancada. Os dois são evangélicos da Igreja Batista, mas nunca foram atuantes no grupo.
Segundo Sóstenes, o anúncio do acordo deve ser feito amanhã logo após o culto que será promovido no plenário de uma das comissões da Câmara. Para garantira “transmissãode cargo ”, Sóstenes foi até o gabinete de Cezinha na última quinta-feira tratar da sucessão.
— A conversa foi tranquila. Está tudo alinhado com o Cezinha. Ao final da Santa Ceia (nome dado ao culto), ele faz a transição. Não tem nenhum problema. Só fizemos um comentário sobre as dificuldades que tivemos durante o recesso. Mas é página virada e vida que segue — disse Sóstenes.
Em dezembro de 2020, Cezinha e Sóstenes combinaram um revezamento na presidência da bancada, cujo mandato, em tese, tem duração de dois anos. O primeiro presidiria em 2021, e o segundo em 2022. No fim do ano passado, no entanto, o acordo passou a ser contestado por lideranças evangélicas da Assembleia de Deus do Ministério Madureira, da qual Cezinha é representante. Em culto no qual o presidente Jair Bolsonaro estava presente, o bispo Samuel Ferreira, líder da Madureira, defendeu a recondução do deputado paulista ao posto.
A declaração irritou o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, da qual Sóstenes é membro. Malafaia cobrou o “caráter e a palavra” de Cezinha. O embate aumentou quando o deputado Abílio Santana (PL-BA), atual tesoureiro da Frente e pastor do Ministério Madureira, gravou um vídeo chamando o pastor de “cínico malafeia” e questionando a validade do pacto apalavrado em 2020.
A briga, que foi tornada pública por meio de áudios e vídeos vazados nas redes sociais, expôs um racha entre duas alas diferentes da Assembleia de Deus, a maior denominação pentecostal do Brasil em número de templos e seguidores.
Procurado, Cezinha da Madureira não quis comentar o acordo firmado — ele tem mantido silêncio desde que a crise foi instaurada no fim do ano passado. A sua assessoria, no entanto, confirmou que ocorrerá a cerimônia especial da “Santa Ceia” nesta quarta-feira —tradicionalmente, o culto costuma preceder a “consagração” do novo líder da bancada.
Após o entrevero com Malafaia, Abílio Santana afirmou que fez as pazes com o pastor (“ficou esclarecido o mal-entendido”) e confirmou o acordo entre Sóstenes e Cezinha (“eles têm se falado e são amigos”).
TAMANHO
Figura ilustre na bancada, o deputado Marco Feliciano (PL-SP) também disse que Sóstenes será o novo presidente da Frente.
Sóstenes diz que o grupo trabalha com o objetivo de aumentar a frente evangélica com novas adesões. Atualmente, o grupo conta com 115 deputados e 13 senadores. A meta de Sóstenes é ampliar para 191 deputados e 27 senadores.
— Ficou tudo zerado e vamos trabalhar que o ano é intenso. Focar na reeleição dos deputados evangélicos e no aumento da bancada o máximo possível — disse o deputado do DEM. — Queremos chegar ao mesmo tamanho dos evangélicos na sociedade brasileira: um terço. Ainda somos sub-representados no Parlamento —concluiu.
Além de buscar a associação com Bolsonaro, Sóstenes tem elaborado um plano para pulverizar as candidaturas de evangélicos em diferentes partidos (“para que eles não concorram entre si") e para “fidelizar” ainda mais o eleitorado religioso.