O GLOBO, n 32.327, 08/02/2022. Brasil, p. 10
Desconto do Fies será também para quem paga
André de Souza, Renata Mariz e Bruno Alfano
"Não é justo perdoar lá atrás e quem é adimplente continuar pagando", diz Bolsonaro sobre regulamentação para renegociação de dívidas; especialista teme que quem está em dia prefira ficar devendo
O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que a regulamentação da renegociação da dívida do Fundo de Financiamento Estudantil do Ensino Superior (Fies) será oficializada na quinta-feira. No final de dezembro, Bolsonaro editou uma medida provisória que permite desconto de até 92% da dívida. Segundo o presidente, quem não estiver inadimplente também terá direito a um desconto.
- Vamos acertar, regular a questão do FIES. Um milhão e 70 mil jovens que fizeram o ensino superior e não iam pagar. Eles não estão pagando a conta. Não há como pagar. E a partir daí eles não podem fazer negócios, a vida deles é difícil — disse Bolsonaro. - Agora, não é justo você perdoar lá atrás e quem está disposto a continuar pagando. Continuará a pagar, mas terá um bom desconto para ele.
Bolsonaro já havia dito na semana passada que emitiria um decreto para regular a questão, em entrevista durante viagem a Rondônia.
— O que queremos? É perdoar tudo o que é juros, correção monetária, pegar o valor da própria mensalidade, abater 92% e renegociar 8% para que as pessoas se vejam livres de dívidas impagáveis no caixa e no Banco do Brasil — disse Bolsonaro , durante entrevista em viagem a Rondônia na semana passada.
O presidente aproveitou ontem para criticar o PT, dizendo que o Fies é um bom programa quando feito com responsabilidade, mas afirmou que se tornou um "negócio" com a "esquerda".
Na avaliação de Paulo Meyer Nascimento, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e um dos maiores especialistas em financiamento estudantil do país, a anistia pode aumentar o problema das dívidas deixadas pelo Fies.
ESTÍMULO ERRADO
A renegociação incentivaria os bons pagadores a permanecerem endividados, aguardando o próximo pacote de benefícios, principalmente quando não for acompanhado de mudanças estruturais, alertou Nascimento.
O pesquisador recomendou a implementação urgente de uma mudança já prevista na lei, em que o pagamento do fundo fica condicionado à renda do aluno. Segundo Nascimento, essa é uma forma mais eficaz de diminuir a inadimplência.
- Neste modelo, só paga tudo quem vier a ter padrão de renda compatível. Quando a pessoa tem renda maior, ela paga mais. Mas se a renda cair, o valor a ser pago diminui - resume o especialista do Ipea.
De acordo com a MP, os alunos com dívidas vencidas e não pagas há mais de 90 dias terão descontos de 12% no valor da dívida, além de 100% dos encargos moratórios, se efetuarem o pagamento à vista. Há também a opção de parcelamento em 150 meses (12 anos e meio), sem o desconto de 12%.
Para alunos com mais de um ano de atraso, há desconto de 92% da dívida, caso o beneficiário esteja inscrito no Cadastro Único de Benefícios Sociais (CadÚnico) ou tenha recebido auxílio emergencial em 2021. Para os demais alunos, o desconto é de 86,5 %. Em ambos os casos, o pagamento pode ser feito em até dez parcelas mensais.
Quem tiver cometido fraude ou desvio de finalidade em operações de crédito contratadas com recursos do Fies não poderá realizar a negociação.
Segundo dados projetados pelo Ministério da Educação, os cerca de 1,07 milhão citados por Bolsonaro devem aproximadamente R $10 bilhões. À época da Medida Provisória, cerca de 48% dos 2,6 milhões de contratos ativos do Fies estavam com atraso no pagamento. A inadimplência é considerada quando há parcelas com mais de 90 dias sem pagamento na fase de amortização.