O GLOBO, n 32.327, 08/02/2022. Brasil, p. 9
FOGO AMIGO E INIMIGO
Ana Beatriz Moda* e Pâmela Dias
Autoridades fiscais do Ibama temem novos ataques e dizem não ter apoio
Falta de equipamentos adequados ao trabalho, ameaças políticas, redução de equipes e até retaliação popular. A realidade dos bastidores das fiscalizações deixou os agentes do Ibama acuados e provocou o medo de ações violentas como o incêndio de um helicóptero usado pelo Instituto em um aeroclube em Manaus, no dia 24 de janeiro. Registros fiscais ouvidos pela Globo revelam que ataques incendiários nos equipamentos do Ibama são mais comuns do que se imagina. Levantamento da Associação Nacional dos Servidores do Meio Ambiente (Ascema) aponta que, de 2017 até hoje, houve pelo menos 15 casos graves em que profissionais ou patrimônio do Instituto estiveram em risco. Desse total, 10 foram ataques com fogo.
Sob anonimato para evitar represálias dentro e fora do órgão, os fiscais disseram que já foram alvo de tiros, principalmente em áreas mais ameaçadas e disputadas por madeireiros e garimpeiros, como o Amazonas. Queria comentar as reclamações do fiscal, o Ibama não comentou.
- Um servidor foi engarrafado na cara e os colegas foram baleados. O fiscal tem família, esposa, filhos. Queremos voltar para casa depois do fim do dia, mas não vemos apoio na gestão atual do ambiente — diz um servidor que, dias antes do incêndio no Aeroclube, voou no helicóptero destruído pelo fogo.
O atentado em Manaus levou à prisão pela Polícia Federal em Goiânia o empresário apareceu Júnior Navios, apontado como o mentor intelectual do atentado, no qual outro aparelho sofreu mais pequenas avarias. Navios juniores são acusados de operar voos para a mina.
PIORANDO DESDE SETEMBRO
O servidor acredita que a situação vem se agravando desde setembro. Naquele mês, ele lembra, bandidos já haviam incendiado uma caminhonete no pátio do Ibama, em Boa Vista. Na época, foi feita uma investigação para atrapalhar a logística utilizada nas áreas exploradas ilegalmente pela mina e bloquear cerca de 270 pistas clandestinas. A ação resultou na destruição de seis helicópteros e 15 aeronaves, bem como na inutilização de caminhões, equipamentos de rádio e acomodações.
— Essas retaliações acontecem de forma generalizada e também envolvem grupos de facções criminosas que se aliaram aos Garimpeiros — diz o fiscal.
Esperava-se uma retaliação, pois, em novembro, uma operação que reuniu Ibama, Polícia Federal, Marinha e Força Nacional dispersou e destruiu balsas de mineração que formavam uma cidade flutuante no rio Madeira, no município amazônico de Autazes, para retirada ilegal de ouro. Após a ação, um ato em frente à sede do IBAMA em Boa Vista foi convocado pela Associação dos Garimpeiros Independentes de Roraima, que conclamou o "apoio da população e empresários para unir forças com a nação mineira". Ativado para fazer a segurança do site.
Antes dessa chamada pública contra a instituição, servidores que atuam em defesa do meio ambiente e das terras indígenas já enfrentavam vandalismo e agressões no estado. Em maio, por exemplo, garimpeiros invadiram a estação ecológica de Maracá, uma das sedes do ICMBio em Roraima, fizeram três brigadistas como reféns, roubaram todos os materiais apreendidos em uma fiscalização realizada duas semanas antes e levaram cinco quadriciclos e oito motores.
A agressão veio na esteira de uma percepção entre os fiscais de que, nos últimos três anos, essa agressão se tornou mais comum e ganhou maior apoio político.
- Embora esse tipo de ataque não seja uma novidade, o que se percebe é que, de 2019 para cá, ele se tornou muito mais presente e forte, principalmente devido aos discursos políticos que apoiam a extração ilegal de minérios — relatou um fiscal que participou de a operação de desmobilização da mina no rio Madeira em novembro.
Em 2019, no Parque Nacional dos Pacaás Novos, em Rondônia, os fiscais Carlos Rangel da Silva e João Ribeiro sofreram retaliação da população apreendendo toras ilegais e prendendo o responsável pela derrubada da floresta da reserva florestal. As pessoas pegaram a mercadoria de volta, quebraram a câmera de Rangel – que na época tinha 70 anos – e soltaram o detido.
CERCO À POLÍCIA
Pior situação aconteceu na cidade de Placas, no interior do Pará, em julho do mesmo ano. Dois fiscais do Ibama escaparam de serem queimados até a morte no caminhão em que estavam, enquanto tentavam interceptar um caminhão que transportava toras ilegais. Quando foram prestar queixa na Polícia Civil, se viram detidos por um protesto de moradores de placas defendendo o madeireiro responsável pela retirada da madeira. O homem, na época, chegou a gravar vídeos derrubando uma tora de madeira e áudios ameaçando a vida dos fiscais. Ambos só conseguiram sair da delegacia após uma negociação com os manifestantes.
Ao mesmo tempo em que o crime tenta frear a vigilância, o Ibama perde recursos e capacidade de enfrentar criminosos. No ano passado, a agência tinha à disposição R$ 219 milhões para fiscalização, mas liquidou apenas 41% disso, o equivalente a R$ 8,88 milhões. Boa parte do dinheiro deveria ser investido na melhoria das condições de trabalho dos fiscais e na contratação de novos profissionais, mas foi gasto na compra de equipamentos e afins.
COLETE EXPIRADO
Apesar disso, os fiscais ouvidos pelo globo dizem que, nos últimos dois anos, tornou-se comum os servidores de vigilância atuarem com coletes de proteção vencidos, sem utilizar equipamentos spray de pimenta considerados de menor potencial ofensivo para rebater ataques moderados — e tendo apenas dois tipos de armamento: pistola calibre 40 ou rifle calibre 12. No entanto, segundo um agente do Ibama, apenas cerca de 20 fiscais têm autorização para usar esse tipo de fuzil.
- Essa preparação precisa vir do Ibama. As armas não podem ser entregues nas mãos de quem não sabe como devem ser usadas, com risco de sua própria vida e a vida de outros. Hoje não temos equipamentos de baixo impacto, e é injusto bater alto com um tiro - diz um fiscal.
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"Um servidor levou garrafada na cara e os colegas foram baleados. O fiscal tem família, esposa, filhos. Queremos voltar para casa depois do fim do negócio"
Ibama Fiscal, sobre ataques a colegas em retaliação a ações do Instituto