O GLOBO, n 32.328, 09/02/2022. Brasil, p. 10

Cresce número de crianças de 6 e 7 anos analfabetas

Bruno Alfano


Contingente de alunos que não aprenderam a ler e a escrever nessa faixa etária cresceu 66% durante a pandemia e passou de 1,4 milhão para 2,4 milhões, alerta Todos Pela Educação, baseado em dados do IBGE

O número de alunos com 6 e 7 anos que ainda não sabem ler ou escrever cresceu 66% na pandemia, informou uma nota técnica do Todos Pela Educação divulgada ontem, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE. De 2019 para 2021, esse contingente de crianças passou de 1,4 milhão para 2,4 milhões. Esse é o maior número dos últimos dez anos.

Na pesquisa, as pessoas entrevistadas em suas casas pelo IBGE dizem se suas crianças sabem ou não ler e escrever. Com base nas respostas, são calculados o número e o percentual de crianças que, de acordo com seus responsáveis, estão ou não alfabetizadas.

Em termos relativos, o percentual de crianças de 6 e 7 anos que, segundo seus responsáveis, não sabiam ler e escrever foi de 25,1% em 2019 para 40,8% em 2021. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular( BNCC ), uma criança deve acabar a alfabetização aos 7 anos.

—A alfabetização é o alicerce de uma trajetória escolar de sucesso, e quanto mais cedo ocorrer, melhor. Um aluno que não consegue se alfabetizar bem tem sua trajetória prejudicada pelo resto da vida — alerta Olavo Nogueira Filho, diretor executivo do Todos Pela Educação.

A pesquisa mostrou ainda que a diferença entre as crianças brancas e as pretas e pardas foi aprofundada por conta da crise sanitária. Os percentuais de crianças pretas e pardas de 6 e 7 anos de idade que não sabiam ler e escrever passaram de 28,8% e 28,2% em 2019 para 47,4% e 44,5% em 2021. Entre as crianças brancas, o aumento foi de 20,3% para 35,1% no mesmo período.

Também é possível visualizar uma diferença ainda mais relevante entre as crianças nos domicílios mais ricos e nos mais pobres do país. Dentre os estudantes mais pobres, o percentual dos que não sabiam ler e escrever aumentou de 33,6% para 51,0%, entre 2019 e 2021. Dentre os alunos mais ricos, o aumento foi bem menor, de 11,4% para 16,6%.

— No fundo, isso evidencia que o ensino remoto teve efetividade muito baixa do ponto de vista pedagógico. Ou seja, prejudicou todo mundo. Mas, além disso, teve um alcance baixo, deixando as crianças mais pobres de fora, o que aprofunda essas desigualdades que já existiam — diz Nogueira Filho. — E esses dados também revelam mais uma vez o problema estrutural no qual as desigualdades são marcadas por questões de raça e cor.

Líder de políticas educacionais do Todos Pela Educação, Gabriel Corrêa afirma que esses efeitos “graves e profundos” não serão superados apenas com ações pontuais.

—As secretarias de educação precisam oferecer um apoio muito bem estruturado à gestão escolar e aos professores, que já estão com imensos desafios. E não adianta deixarmos toda a responsabilidade disso com os municípios, só porque ofertam a grande maioria das matrículas dos primeiros anos do ensino fundamental. Os governos estaduais e o governo federal não podem se omitir. Devem ter papel central, oferecendo apoio técnico e financeiro às prefeituras, fortalecendo o regime de colaboração. A tragédia na alfabetização não pode ficar invisível. É fundamental que esse tema ganhe a devida prioridade na agenda dos nossos governantes —avalia.

De acordo com Olavo Nogueira Filho, a boa notícia é que o Brasil já tem um modelo de compartilhamento de responsabilidades entre entes federativos para a alfabetização de crianças que é extremamente bem sucedido. O diretor executivo do Todos Pela Educação cita o caso do Ceará, em que o governo do estado passou a coordenar as ações junto aos municípios e conseguiu resultados expressivos.

— Nesse caso, houve um fortalecimento do aprendizado de todos os municípios, coordenados pelo estado. Pensando no desafio que se impôs, essa lógica de enfrentamento conjunto nos parece uma das principais estratégias que deve ser acelerada e fortalecida no país —diz.

Atualmente, 13 estados já começaram a desenvolver modelos baseados na experiência do Ceará, como o Espírito Santo, o Rio Grande do Norte e o Maranhão.

—A rede de ensino que não está trabalhando para fazer frente a esse cenário está deixando as crianças na mão — avalia Nogueira Filho.

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