O Estado de S. Paulo, n. 47929, 07/01/2025. Política, p. A7
Planalto depende de votos da oposição para aprovar pautas cruciais
Hugo Henud
Partidos de oposição como PP, PL e Republicanos foram decisivos na aprovação de pautas de interesse do governo Lula na Câmara. Em 2023 e 2024, essas siglas contribuíram, em média, com 34% dos votos totais a favor de projetos como a reforma tributária. Os dados reforçam padrão identificado em pesquisa da USP que mostra como os presidentes brasileiros têm crescente dependência de coalizões informais para viabilizar a aprovação de matérias cruciais. Desde o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, nos anos 1990, o estudo identificou que os votos dos partidos que compõem o presidencialismo de coalizão não são suficientes para assegurar a aprovação da agenda governista no Congresso.
Nos dois primeiros anos de governo Lula, partidos considerados de oposição como PL, Republicanos e PP contribuíram, em média, com 34% dos votos totais a favor de projetos de interesse do Palácio Planalto em votações na Câmara dos Deputados. Os dados reforçam padrão identificado em pesquisa da USP que mostra como os presidentes brasileiros, ao longo da história, têm dependido cada vez mais de coalizões informais – apoios vindos de fora da base governista – para viabilizar a aprovação de pautas cruciais no Congresso.
O levantamento, realizado entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024, definiu como partidos da coalizão presidencial as siglas que se declaram governistas ou possuem ministérios. Já os partidos de oposição foram classificados como aqueles que não integram formalmente a base governista, mesmo tendo assumido pastas ao longo desses dois anos. Republicanos e PP, embora comandem os ministérios de Portos e Aeroportos e do Esporte, respectivamente, mantiveram, na maior parte do tempo, uma atuação predominantemente oposicionista nas votações realizadas na Câmara.
Entre as siglas de oposição que mais contribuíram com o Planalto nos dois primeiros anos de gestão está o PP, que, em média, seguiu a orientação oficial do governo em 10% das votações. A contribuição reflete o índice de governismo da legenda liderada por Arthur Lira (AL), calculado em 74%, conforme dados do Radar do Congresso. O indicador avalia o grau de alinhamento de partidos às orientações do Planalto a partir das votações nominais – decisões em que cada parlamentar registra seu voto de forma individual e pública no Congresso. Assim, votos alinhados, sejam a favor ou contra, aumentam a taxa, enquanto divergências, abstenções ou ausências a reduzem.
O Republicanos, partido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, contribuíram, respectivamente, com 9% e 8,5% dos votos em favor do governo. Em seguida, aparecem Podemos (2,5%), PSDB (2,5%), Cidadania (1%) e Novo (1%). Siglas cujos parlamentares não atingiram o número mínimo de participações em votações nominais para o cálculo do índice de governismo, como PTB, PSC, PROS e Patriota, não foram consideradas. Esses porcentuais refletem o peso de cada partido no conjunto dos 34% provenientes da oposição.
REFORMAS. Entre as pautas que só avançaram com apoio significativo da oposição estão a reforma tributária e a reforma da Previdência. Consideradas estruturais, as pautas só foram aprovadas graças à articulação que contou com votos de partidos fora da base governista, de acordo com o pesquisador da USP Pedro Assis, um dos autores do estudo.
Ele destacou que, desde o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a pesquisa identificou que os votos dos partidos que compõem o presidencialismo de coalizão – sistema no qual o governo forma alianças com diferentes siglas para garantir maioria no Congresso – não são suficientes para assegurar a aprovação da agenda presidencial na Câmara. “Os presidentes precisam do apoio do que chamamos de coalizões informais, formadas por partidos de oposição, para garantir a aprovação de pautas cruciais.”
“Os presidentes precisam do apoio do que chamamos de coalizões informais, formadas por partidos de oposição, para garantir a aprovação de pautas cruciais”
Pedro Assis, Pesquisador da USP
“As bases de negociação mudaram, os partidos que compõem a base não são garantia de disciplina total em votações”
Sergio Simoni Junior, Professor de Ciência Política da USP
A pesquisa revela que, caso os mandatos presidenciais dependessem exclusivamente dos votos dos partidos que integram as coalizões formais – ou seja, a base governista –, a taxa de sucesso do Executivo nas votações cairia de 92% para 66%. Professor de Ciência Política da USP, Glauco Peres ressaltou que os presidentes enfrentam crescente dependência de apoios fora da base oficial para ter governabilidade. “Identificamos que, cada vez mais, a base governista depende de coalizões informais”, disse Peres.
Para o professor de Ciência Política do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Vinicius Alves, a crescente dependência dos presidentes de coalizões informais reflete uma mudança na correlação de forças entre Executivo e Legislativo nos últimos anos. Segundo ele, essa transformação foi impulsionada pela proliferação de siglas, intensificando a fragmentação partidária e dificultando a formação de coalizões estáveis.
FRAGMENTAÇÃO. “O fato de o presidente recorrer sistematicamente a apoios fora da base governista para aprovar projetos é um reflexo das características do sistema político brasileiro, marcado por alta fragmentação e multipartidarismo. Esse cenário exige negociações mais complexas, ampliando o peso das coalizões informais”, observou Alves.
O professor de Ciência Política da USP Sergio Simoni Junior acrescentou que alterações em mecanismos institucionais contribuíram para enfraquecer a autonomia do Executivo. Entre as mudanças estão o novo trâmite de medidas provisórias, a revisão dos vetos presidenciais e as emendas parlamentares, que passaram a ser, em parte, impositivas (de pagamento obrigatório).
“Embora existam temas que a oposição apoie por concordância, em muitos casos o governo controla o timing de liberação das emendas para garantir apoio às suas pautas, o que frequentemente ocorre às vésperas de votações importantes”, afirmou Simoni Jr.
Como mostrou o Estadão, o governo desembolsou R$ 7,1 bilhões em emendas em dois dias para destravar o pacote de corte de gastos no Congresso.
GOVERNISMO. Quando considerado o índice de governismo – que mede o grau de alinhamento dos parlamentares com a orientação do governo em votações na Câmara –, os partidos que mais apoiaram o Planalto em 2023 e 2024 foram aqueles que integram a base de Lula. Entre eles, destacam-se PT, PCdoB e PV, com aproximadamente 97% de fidelidade. Na sequência, aparecem PSB, partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, com 94%; PDT, com 91%; Rede, com 89%; Avante e Solidariedade, com 87% e 85%, respectivamente; e PSOL, com 80%.
Ainda na base do governo estão o PSD, liderado por Gilberto Kassab, que comanda três pastas (Agricultura, Minas e Energia e Pesca) e apresentou 81% de adesão ao Planalto nas votações. O MDB, responsável pelos ministérios das Cidades, Planejamento e Transportes, registrou 80% de fidelidade. O União Brasil, que também ocupa três pastas (Turismo, Comunicações, além de indicar o titular da Integração), teve 67% de alinhamento.
Apesar do espaço na Esplanada, o União Brasil tem entregado menos votos ao Planalto na Câmara do que outras siglas com ministérios. A legenda exemplifica a nova dinâmica de negociação entre Executivo e Legislativo, na qual a distribuição de cargos em ministérios já não é suficiente para garantir vitórias no Congresso, nem mesmo entre partidos aliados. “A forma mais caricata do funcionamento do presidencialismo de coalizão era: o presidente distribuía ministérios, e os parlamentares, em sua maioria, automaticamente apoiavam as propostas do governo”, disse Simoni Jr. Ele ressaltou que, apesar da reforma ministerial prevista por Lula para 2025 – destinada a ampliar a base aliada e assegurar respaldo às pautas governistas –, esse modelo, por si só, não garante apoio consistente no Legislativo.
Para o professor da USP, a coalizão informal, com apoio da oposição, ganha relevância à medida que a base governista se reduz, exigindo mudanças na dinâmica do presidencialismo de coalizão. “As bases de negociação mudaram, o s partidos que compõem a base não são garantia de disciplina total em votações; são fatores que trazem desafios tanto para Lula quanto para os próximos presidentes.” •