Correio Braziliense, n. 22674, 19/04/2025. Cidades, p. 15
Cultura ancestral valorizada
O Dia dos Povos Indígenas, celebrado hoje, tem como um dos principais objetivos destacar a diversidade das comunidades originárias. Altaci Corrêa Rubim, primeira professora indígena da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a data é mais do que uma celebração, pois trata-se também de um momento de afirmação de identidades e de visibilidade das lutas por demarcação de terras, fortalecimento das línguas, dos saberes, da educação escolar indígena, da saúde e da autonomia dos povos.
“A mudança de Dia do Índio para Dia dos Povos Indígenas por si só é uma avanço simbólico e político importante, pois reflete a pluralidade dos povos, além de romper com uma visão estereotipada e colonizadora. Essa data também é um momento de chamar a sociedade para repensar a relação com os povos indígenas, reconhecendo o protagonismo deles na defesa da biodiversidade e da democracia”, frisa Altaci, professora do Departamento de Letras da UnB e coordenadora de promoção de políticas linguísticas do Ministério dos Povos Indígenas.
Tataiya Kokama, nome indígena de Altaci, frisa que os povos indígenas vêm conquistando espaços a cada ano por meio de muita luta. Um dos avanços citados pela professora é a aprovação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). “Sabemos que os conflitos territoriais são intensos nos territórios indígenas e a conquista do PNGATI é de suma importância para a valorização dos conhecimentos tradicionais”, avalia. Altaci também cita a ampliação da presença indígena no ensino superior e a inserção em espaços de decisão, com a criação de secretarias, coordenações e conselhos e o Ministério dos Povos Indígenas. “Nós vamos ocupar mais espaços a partir do programa Kuntari Katu, que visa formar líderes indígenas na política global. O Ministério dos Povos Indígenas conseguiu, juntamente com o Ministério das Relações Exteriores e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), bolsas para formar diplomatas indígenas. É a primeira vez na história que isso está acontecendo”, lembra Altaci.
Apesar dos avanços significativos, os indígenas ainda enfrentram muitos desafios. “A demarcação de terras segue ameaçada por políticas anti-indígenas. O Marco Temporal, que representa um grave retrocesso jurídico e moral, e os ataques às escolas indígenas e às casas de rezas têm se intensificado, mesmo com a nossa luta em busca de promover a paz. Temos sofrido muitas retaliações em nossos territórios”, destaca Altaci.
Contra o silenciamento
O professor Gersem Baniwa, do Departamento de Antropologia da UnB, ressalta que o Dia dos Povos Indígenas tem importância simbólica e prática. Segundo ele, o silenciamento e a invisibilidade foram uma das questões que facilitaram o processo de genocídio contra os povos originários.
“Chegou-se a um tempo em que uma parcela importante da população brasileira sequer sabia que havia indígenas no Brasil ou, se achavam que houvesse, era algo restrito a regiões como a Amazônia, por falta justamente de informação. Então o Dia dos Povos Indígenas é um momento de dar esse conhecimento à sociedade”, afirma.
Gersem, segundo docente indígena da UnB, pontua que parte da sociedade ainda é muito hostil em relação aos povos indígenas.
“Uma parcela importante, sobretudo a elite política e econômica, vê os indígenas como empecilhos ou obstáculos, como quem atrapalhe o desenvolvimento de seus negócios ou até mesmo do país. Isso é puro preconceito e racismo.
Os povos originários contribuem muito com suas economias, culturas, tradições”, diz Gersem.
O professor também avalia que, embora haja avanço no protagonismo originário na política, a questão indígena ainda não está entre as prioridades do governo.
“Não tem orçamento suficiente, não há processos administrativos adequados para atender as realidades das comunidades, pois a burocracia estatal é muito voltada para as cidades”, diz.
O professor defende a importância da Lei nº 11.645/2008, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena no ensino fundamental e médio, em todas as escolas brasileiras.
Se essa legislação fosse cumprida, nós já estaríamos muito à frente no combate ao preconceito e ao racismo contra os povos indígenas”, argumenta.