O GLOBO, n 32.330, 11/02/2022. Política, p. 4
'A QUESTÃO DA VACINA GEROU DESGASTE PARA O PRESIDENTE ''
Flávio Bolsonaro / SENADOR
Parlamentar reconhece que tom de Bolsonaro contra a imunização produziu efeitos eleitorais negativos e revela que pai será abastecido com informações de pesquisas qualitativas para adaptar discurso
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) emergiu de um período mergulhado no escândalo das rachadinhas para assumir o posto de coordenador da reeleição do pai — as missões imediatas são a construção de palanques estaduais e a tentativa de conter a queda na popularidade de Jair Bolsonaro. O parlamentar reconhece que pesquisas internas do comitê de campanha apontam que o desgaste do titular do Palácio do Planalto é consequência do discurso antivacina, mas pondera que o governo não deixou de fornecer imunizantes, ponto que será explorado eleitoralmente. Em entrevista exclusiva, Flávio também reconheceu erros cometidos pela gestão federal e disse que o pai se convenceu de que não pode mais dar “munição” aos adversários. “De três semanas para cá, o comportamento dele já é outro”, afirmou. Ele comenta a relação com Queiroz e admite que o caso da rachadinha lhe trará “desgaste” na campanha (leia mais na página 6).
Qual é o seu papel no comitê de campanha?
Estou me dedicando a tomar as decisões, já que o presidente não tem tempo. Sei como funciona a cabeça dele, o que ele quer nos estados, com quem é possível caminhar... Começamos a mapear o Brasil, (traçando) a estratégia nos estados e (vendo) o que é importante para cada partido da coalizão. Também estamos montando a estratégia da comunicação. Muita gente não tem conhecimento das coisas boas que o presidente fez, muito em função da nossa deficiência na hora de comunicar.
Quem será o marqueteiro?
Jair Messias Bolsonaro. Os publicitários com quem temos conversado têm essa consciência. Não funciona alguém do lado do Bolsonaro falando o que ele tem que fazer. Nosso trabalho vai ser criar uma metodologia para mostrar o que, segundo as pesquisas, funciona, o que o povo gosta mais, com o que se incomoda, e levar essas informações mastigadinhas para ele (Bolsonaro) decidir o que fazer. De duas ou três semanas para cá, ele já mudou a postura, porque se convenceu que não pode mais ficar dando munição para atirarem nele injustamente. As pesquisas mostram que a questão da vacina gerou um desgaste. Mas Bolsonaro garantiu a vacina para todo o Brasil. Como a gente comunica isso para que o povo entenda que o Bolsonaro não é contra a vacina?
Mas ele não se vacinou...
Ele é a favor da liberdade de a pessoa fazer o que quer.
Não é um erro político não se vacinar e questionar a eficácia dos imunizantes?
Não. É virtude do Bolsonaro, como chefe da nação, alertar a população sobre os riscos (de se vacinar), para que cada um tome a sua a sua posição.
Como o vereador Carlos Bolsonaro participará da campanha?
Carlos é intuitivo, sabe o que o eleitor do Bolsonaro gosta e consegue transformar isso em conteúdo, o que manteve o nosso eleitorado muito consolidado. Ele não deixa o Bolsonaro se distanciar da base.
Muitas crises no governo foram infladas pela militância nas redes sociais. Como conciliar esse grupo com o Centrão?
Nosso eleitor amadureceu nesses três anos. Por mais que não concorde com tudo que o Bolsonaro faz, ele já compreende que não tem como governar sem flexibilidade. Não vejo isso (a aproximação com o Centrão) como algo que vá tirar votos do Bolsonaro.
O presidente também amadureceu?
Muito. Se o governo começasse hoje, cometeríamos menos erros e teríamos um mandato menos conflituoso.
As sucessivas crises com o STF estão entre esses erros?
No começo do mandato, havia muita desconfiança por parte de algumas poucas pessoas das cúpulas dos Poderes com relação ao Bolsonaro, mas isso foi se resolvendo com conversa. Quando ele consegue se mostrar para um ministro do Supremo, senadores, deputados, o respeito vem.
O presidente chegou a ser aconselhado a promover uma ruptura institucional?
Há conselhos de todas as formas. Isso é inegável, mas ele sabe filtrar e tomar decisão. Tanto que não houve decisão nenhuma de ruptura. É óbvio que as pessoas olhavam para algumas atitudes de alguns ministros do Supremo, que claramente pareciam estar brincando de dar canetada e atrapalhar o desenvolvimento do Brasil, de desrespeitar o resultado das urnas... O presidente tem consciência de que, se fosse para chutar o balde, o Brasil afundaria. Muitas pessoas pediram uma reação, mas nunca com as Forças Armadas. Isso é uma lenda, nunca existiu.
As pesquisas mostram o ex-presidente Lula à frente Como reverter esse cenário?
Não é um voto no Lula, mas uma certa rejeição ao Bolsonaro neste momento, muito em função da percepção de que ele seria contra a vacina. Ele não é contra a vacina, é a favor da liberdade de a pessoa escolher. Só que a forma como ele colocou isso ajuda a construir essa percepção negativa. Não são votos do Lula, são pessoas que equivocadamente estão acreditando que a vida piorou por causa do Bolsonaro. Mas é por causa do Bolsonaro que estão chegando no mínimo R$ 400 para 17 milhões de famílias no Brasil que recebiam, em média, R$ 190. Comunicando melhor, vamos reverter isso.
A candidatura do ex-ministro Sergio Moro é uma ameaça?
Não. Se a população tinha boa percepção por ele ter sido um bom juiz, ele, como político, foi um fiasco. Além de um grande traidor, e agora está mostrando que não tem tamanho eleitoral. Para mim, quem soltou o Lula foi o Moro. Segundo o STF, ele fez coisas que estavam fora da lei. Era só ter cumprido a lei, e o Lula estaria preso até hoje.
Por que o Republicanos está distante da campanha?
O presidente do Republicanos, Marcos Pereira, que participou das primeiras reuniões (do comitê de campanha), não tem mais comparecido. Preciso saber com ele o que é preciso para estar mais junto, porque a relação é de 100% de confiança. Não sei se é alguma insatisfação na bancada no Congresso... De repente, estamos tomando alguma decisão em um estado onde o Republicanos é forte, e eles estão se sentido alijados.
É o caso da Bahia, onde o ministro João Roma quer ser candidato a governador?
É exatamente por isso. Se dependesse de nós haveria ali uma composição com o ACM Neto. Só que equivocadamente o ACM Neto entende que o Bolsonaro puxa ele para baixo na questão de votos. Será uma eleição polarizada. O eleitor vai ver com quem o seu candidato a governador estará: com Bolsonaro ou com o ex-presidiário (Lula). Ele não terá como não se posicionar. O eleitor não gosta de quem está em cima do muro.
Em São Paulo, o PP, do ministro Ciro Nogueira, está apalavrado com o Rodrigo Garcia, vice do governador João Doria. Não é incoerente?
O Ciro entende que o cenário da época em que houve essa conversa (com Garcia) mudou. O presidente foi para o PL, e ele é um ministro que ocupa, talvez, a pasta mais importante do governo. O PP certamente estará como( ministro da Infraestrutura) Tarcísio (de Freitas) em São Paulo.
Qual será o futuro do vice Hamilton Mourão?
Ele deverá ser candidato ao senado no Rio Grande do Sul. Tem convite do PP e do Republicanos.
Qual será a participação do ministro Paulo Guedes em um eventual segundo governo?
Ele temos ensode responsabilidade de buscar o meio-termo para que a política econômica não degringole o Brasil de vez, a médio e longo prazo, mas sabe da importância, em ano eleitoral, de ter um remédio mais amargo para segurar a inflação, reduzir o preço do dólar e gerar mais emprego. Eu não sei se ele seguiria no cargo em um segundo governo. É cansativo, depende da disposição dele. Se ele quiser continuar dando sua contribuição, o presidente Bolsonaro vai indiscutivelmente topar na hora, mas não sabemos os planos pessoais dele.