O GLOBO, n 32.330, 11/02/2022. Economia, p. 11

MUDANÇA DE ROTA

Mariana Barbosa, Manoel Ventura, Geralda Doca, Raphaela Ribas e Danielle Nogueira


Concessionária do aeroporto internacional devolverá o terminal 

O governo decidiu que vai leiloar Santos Dumont e Galeão juntos no segundo semestre de 2023. A mudança foi anunciada depois que a Changi —operadora aeroportuária de Cingapura que integra o RIOgaleão, consórcio responsável pela administração do terminal internacional —optou por devolver o aeroporto à União, como antecipou a coluna Capital.

O Galeão foi fortemente afetado pela pandemia, que reduziu o volume de voos internacionais. A gota d' água para a saída da operadora foi a recusa da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) de rever o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. A empresa calcula ter acumulado perdas de R$ 7,5 bilhões durante a pandemia e tentava abater esse montante do pagamento de outorgas previstas até o fim do contrato. A Anac afirma que o pedido ainda está em análise, mas teria indicado para a concessionária que consideraria apenas as perdas em 2021.

Com a decisão de devolver o aeroporto, a Changi não será obrigada a pagar o valor de R$ 1 bilhão de outorga previsto para 2023. Outro fator que pesou na decisão foi a licitação prevista do Santos Dumont, que, nos moldes propostos pelo governo, prejudicaria o fluxo de passageiros no Galeão.

A saída da operadora colocou o governo diante de uma decisão difícil. O leilão do Santos Dumont vinha enfrentando críticas das autoridades fluminenses pelo risco de esvaziar de vez o Galeão, caso não fosse imposta alguma restrição ao aumento de voos. Foi montado um grupo de trabalho para rever os termos da licitação, mas ainda não havia sinal de consenso. Com capacidade de transportar 30 milhões de passageiros, o aeroporto internacional fechou o ano passado com apenas 4 milhões. Se fosse leiloado sozinho após o Santos Dumont, seria considerado um ativo menos atraente.

MODELO DE LICITAÇÃO

O caminho encontrado pelo governo foi postergar a licitação do terminal no Centro do Rio para que ele seja arrematado pela mesma empresa que vai ficar com o Galeão em uma 8ª rodada de licitações, no segundo semestre de 2023.

— Já não faz mais sentido caminhar com Santos Dumont de forma isolada na 7ª rodada (prevista para este ano). Vamos estudar os dois aeroportos juntos. Nós vamos avaliar a concessão de Galeão e Santos Dumont em conjunto. Isso é uma resposta à preocupação do setor produtivo e do governo do Rio de Janeiro. Vamos considerar o terminal Rio andando em conjunto — afirmou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.

O governador do Rio, Cláudio Castro, afirmou em uma rede social que esta é "uma enorme oportunidade para fazer a relicitação alinhada com a concessão do Santos Dumont". E acrescentou que o grupo de trabalho formado deve construir "a melhor modelagem para garantir que a decisão da Changi seja um instrumento de recuperação do sistema aeroportuário do Rio".

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, fez críticas ao governo federal pela devolução do aeroporto, embora seja a favor de atuação coordenada entre aeroportos. A prefeitura avalia que a nova licitação é urgente e que não é possível esperar até 2023 (leia mais na página 12).

Para o setor de turismo, o risco é o Rio ficar para trás na retomada pós-pandemia.

Os critérios para a concessão dos aeroportos serão definidos ao longo deste ano. Até lá, a RIOgaleão continuará responsável pelo aeroporto (o consórcio tem a Changi como majoritária, com 51% do capital, além da Infraero, com fatia de 49%). O Santos Dumont permanecerá a cargo da Infraero até o leilão.

Nos próximos dias, a RIOgaleão fará uma maratona de conversas com companhias aéreas, empresas terceirizadas que prestam serviço para o aeroporto e clientes na área de carga para explicar a situação do terminal. Segundo uma fonte, a ideia é "acalmar os ânimos" e mostrar que a operação seguirá normalmente, apesar do processo de devolução. Embora o governo prometa um novo leilão para 2023, a concessionária trabalha com prazo de dois a três anos para que o processo seja concluído. A Changi só deve deixar a RIOgaleão após o novo leilão.

A decisão de deixar o Brasil já vinha sendo estudada há alguns meses. O próprio ministro da Infraestrutura afirmou que o governo estava ciente das dificuldades financeiras da empresa. "A pandemia de Covid-19 provocou uma queda de 90% do número de voos no Brasil e enfraqueceu ainda mais as condições de operação do aeroporto", afirmou a RIOgaleão, em nota.

Quem assumir os terminais não ficará com as dívidas. O valor da nova outorga será usado para cobrir a indenização que a União precisa pagar à RIOgaleão por investimentos feitos e ainda não amortizados.

O ministro prometeu uma nova licitação com termos mais realistas do que a do Galeão em 2013. O terminal foi arrematado com ágio de 293% em lance de R$ 19 bilhões por até o leilão e Odebrecht (que vendeu sua fatia para a empresa de Cingapura após a Lava-Jato). Freitas disse não ver problemas em ter um único operador nos terminais do Rio e afirmou que este já é o modelo em cidades como Nova York e Paris.

— Vamos fazer uma modelagem centrada na realidade, um modelo ótimo — afirmou, acrescentando que a saída não é sinal de desinteresse do investidor estrangeiro, apenas de uma outorga de valor muito alto para o projeto.


Este texto foi originalmente publicado na coluna de negócios Capital, no site do GLOBO: blogs.oglobo.globo.com/capital