O GLOBO, n 32.330, 11/02/2022. Política, p. 6

PF diz que milícia digital usa estrutura do “gabinete do ódio”

Aguirre Talento e Mariana Muniz


Relatório foi enviado ontem ao STF e envolve assessores do Planalto

A Polícia Federal afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que uma milícia digital que atua contra a democracia e as instituições usa a estrutura do chamado “gabinete do ódio”, composto por assessores do Palácio do Planalto. O relatório foi enviado ontem ao STF para apresentar um panorama das investigações das milícias digitais até o momento.

A PF passou a investigar a relação do presidente Jair Bolsonaro com essas milícias digitais. A nova frente foi aberta após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizar o compartilhamento de provas obtidas em outros inquéritos contra o chefe do Executivo.

O inquérito que apura a existência de uma milícia digital foi aberto em 2021, depois que o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu o arquivamento de outra investigação que envolvia aliados de Jair Bolsonaro. Na época, o ministro Alexandre de Moraes acatou o pedido de Aras, mas decidiu abrir um novo inquérito para investigar a atuação de milícias digitais.

A informação sobre a conexão com o “gabinete do ódio” consta em um relatório parcial elaborado pela delegada Denisse Ribeiro, que conduz os inquéritos das fake news e das milícias digitais, e enviado ao ministro Alexandre de Moraes.

ATAQUES E DESINFORMAÇÃO

Ainda segundo a PF, essa ação do grupo seria orquestrada com propósito de difundir ataques e desinformação, criando e deturpando dados para obter vantagens e auferir lucros. Eles buscariam, assim, ganhos políticos, ideológicos e financeiros.

No relatório enviado ao Supremo, Denisse Ribeiro detalha as etapas seguidas pela organização criminosa para realizar diversos ataques virtuais a alvos. A delegada avalia que as investigações devem ter continuidade diante dos elementos reunidos que indicam possíveis crimes.

“Identifica-se a atuação de uma estrutura que opera especialmente por meio de um autodenominado ‘gabinete do ódio’: um grupo que produz conteúdos e/ou promove postagens em redes sociais atacando pessoas (alvos) —os “espantalhos2” escolhidos —previamente eleitas pelos integrantes da organização, difundindo-as por múltiplos canais de comunicação, em atuação similar à já descrita outrora pela Polícia Federal, consistente no amplo emprego de vários canais da rede mundial de computadores, especialmente as redes sociais”, escreveu.

A PF afirmou ainda, no relatório parcial apresentado ao Supremo, que uma organização criminosa digital formada por bolsonaristas foi usada para disseminar notícias falsas sobre medicamentos ineficazes contra a Covid-19, o chamado “tratamento precoce”.

O inquérito das milícias digitais passou a ser o sétimo em tramitação envolvendo o presidente. Outros casos em andamento contra Bolsonaro no STF tratam da suspeita de interferência indevida na Polícia Federal, prevaricação no caso Covaxin, fake news, incitação ao crime por relacionar vacina contra a Covid-19 com o desenvolvimento de Aids, e vazamento de documentos sigilosos, além de um inquérito administrativo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na investigação sobre as milícias digitais, um dos braços agora é identificar a possível relação de Bolsonaro com esses grupos.