O GLOBO, n 32.331, 12/02/2022. Política, p. 4

FRATURA NO CENTRÃO

Camila Zarur, Julia Lindner e Jussara Soares


Bolsonaro tenta evitar que Republicanos, insatisfeito, abandone sua base eleitoral

O presidente Jair Bolsonaro busca formas de reaproximar o Republicanos de sua órbita e, com isso, corrigir uma fratura exposta no Centrão, a base de sustentação do governo, da qual o partido é um dos três pilares, junto com PP e PL. Caciques da sigla não escondem a insatisfação com o que consideram sinais de desprestígio junto ao chefe do Executivo. 

Na tentativa de segurar a legenda na aliança que trabalhará para reeleger o titular do Palácio do Planalto, o governo já se comprometeu com dirigentes da sigla em mantê-la no comando do Ministério da Cidadania depois que o atual titular da pasta, João Roma, se descompatibilizar para disputar a eleição. 

O Republicanos é estratégico para as pretensões eleitorais de Bolsonaro. Trata-se de um partido umbilicalmente ligado à Igreja Universal e essencialmente formado por evangélicos, segmento que reúne uma fatia relevante do eleitorado bolsonarista.

A relação, que já vinha sofrendo algum desgaste, se deteriorou mais acentuadamente no final do ano passado, quando as três legendas do Centrão convidaram Bolsonaro a ingressar em seus quadros. Ele optou pelo PL e, desde então, tem indicado que seus principais aliados devem acompanhá-lo. 

Ainda em 2021, o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), deixou claro a Bolsonaro que, ao escolher a qual partido se filiaria, ele deveria distribuir seu potencial eleitoral entre as outras pernas da tríade basal do Centrão. Faria isso orientando seus aliados mais competitivos nas urnas a entrarem nas outras siglas preteridas. 

Na ocasião, Pereira adiantou, inclusive, quais nomes de ministros ele gostaria de ter como correligionários: o da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que até hoje não decidiu para onde irá, mas cogita se filiar ao PL; da Agricultura, Tereza Cristina (DEM), que deve ir para o PP; do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, recém-filiado ao PL; e das Comunicações, Fábio Faria, prestes a trocar o PSD pelo PP. 

O GLOBO apurou que Pereira deixou de ir às reuniões do comitê da pré-campanha à reeleição quando viu que todos os quadros bolsonaristas que lhe atraíam estavam indo para outros partidos. 

Além disso, integrantes do partido se queixam do espaço que a legenda ocupa no alto escalão do governo, onde tem apenas o Ministério da Cidadania. Em abril, alguns ministros vão deixar o governo para concorrer em seus estados, o que abrirá vagas na Esplanada. 

Outro aceno que está sendo debatido é a escolha do líder do Republicanos no Senado, Mecias de Jesus (RR), como líder do governo na Casa. Em entrevista ao GLOBO, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), coordenador do comitê de campanha à reeleição, admitiu o distanciamento de Pereira, que chegou a participar de reuniões do grupo: 

— Preciso saber com o Marcos Pereira o que é preciso para estar mais junto, porque a relação é de 100% de confiança.

Um ponto crucial do descontentamento do partido com Bolsonaro ocorreu também no ano passado, com a crise da Universal em Angola. Uma ofensiva do Ministério Público local levou à deportação de pastores brasileiros da Universal no país e ameaça o patrimônio da igreja, suspeita de operar um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Entre as acusações feitas por angolanos que deixaram a igreja está inclusive a imposição de vasectomia às lideranças evangélicas. 

O comando da Universal considerou tímida a atuação do governo Bolsonaro no caso. Numa transmissão da TV Templo, Marcos Pereira chegou a reclamar de "descaso" do Planalto. 

Diante da insatisfação, o Republicanos debate que rumo tomar. Uma ala defende que a sigla continue na base do governo pelo menos até junho, mas sem se comprometer com o apoio à reeleição de Bolsonaro. Uma parcela prefere guardar distância do presidente e deixar o caminho livre à formação de alianças com partidos mais à esquerda. O deputado federal Silvio Costa Filho, por exemplo, é presidente do Republicano sem Pernambuco e aliado do governador Paulo Câmara, do PSB, que fechou aliança com o PT no estado. 

Por ora, Pereira tem dito que sua prioridade é selecionar os nomes que disputarão as vagas no Congresso pelo partido. Desde que ele assumiu a presidência da sigla, o Republicanos ampliou seu espaço na Câmara, indo de 8 para 31 deputados. No Senado, porém, conta apenas com um representante.

NÓ NA BAHIA

Outro complicador da relação com o governo é a eleição na Bahia. O ministro João Roma almeja disputar o governo estadual, mas Bolsonaro prefere apoiar o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil), sob alegação de que a prioridade é derrotar o PT. Internamente, membros do Republicanos defendem que Roma abra mão da candidatura e se alie a ACM Neto, composição que daria mais condições para o partido fazer uma bancada numerosa no Congresso.

Outros episódios recentes contribuíram para afastar o Republicanos. Um deles envolve a disputa na Câmara pela vaga da Casa ao Tribunal de Contas da União (TCU). Pleiteiam o cargo os deputados Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR), Soraya Santos (PL-RJ) e Hugo Leal (PSD-RJ). O nome preferencial, neste caso, tem sido o de Soraya.

Também causou insatisfação o fato de Bolsonaro ter retirado a indicação do ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella (Republicanos) para assumir a embaixada do Brasil na África do Sul, em novembro.