Correio Braziliense, n. 22678, 23/04/2025. Economia, p. 7

Para Galípolo, BC é “o chato da festa”
Francisco Arthur de Lima


O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, alertou ontem, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, que a inflação no país ainda está “bastante disseminada” e acima da meta. Por isso, afirmou que o BC tem precisado atuar como um “chato da festa”, ao elevar a taxa básica de juros (Selic), para conter as pressões inflacionárias em meio a uma economia ainda aquecida.


“Quando a festa está ficando muito aquecida e o pessoal está subindo em cima da mesa, tira a bebida da festa. Mas também quando o pessoal está querendo ir embora, você fala: ‘Fiquem, está chegando mais bebida, fiquem tranquilos, vai ter música, podem continuar na festa’. Então, você tem esse papel meio chato de ser o cara que está sempre na contramão”, justificou Galípolo.

Na audiência, convocada pelo presidente da CAE, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Galípolo mencionou indicadores que demonstram o aquecimento da economia, como os níveis de desemprego, crédito, venda de veículos, o desempenho da construção civil e a renda das famílias. “A inflação acima da meta está bastante disseminada, ela também não é algo pontual. Tanto que quando olhamos para o IPCA para os segmentos mais voláteis, administrados ou alimentação domicílio, conseguimos enxergar uma inflação que está bastante acima da meta, fora, inclusive, da banda superior da meta, disseminada por diversos produtos, sejam bens industriais, sejam serviços, seja através do IPCA ou administrados ou alimentação a domicílio”, declarou Para a inflação de 2025, a estimativa do mercado passou de 5,65% para 5,57%. A busca pela meta refere-se a uma inflação de 3%, com intervalo de tolerância de menos 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos. Essa meta é fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Guerra comercial

Galípolo abordou possíveis prejuízos ao Brasil decorrentes da intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Ele avalia que esse conflito tarifário pode levar a uma desaceleração econômica global mais acentuada do que o previsto. Segundo o dirigente, o cenário internacional conturbado tem sido o principal fator de influência sobre os preços de mercado no Brasil e no mundo.

Ele alertou para um possível aumento da aversão ao risco, com investidores buscando ativos mais seguros, o que poderia causar fortes alterações no fluxo global de capitais. “Estamos em um ambiente de elevada incerteza sobre o que pode ocorrer e quais as consequências na aplicação das tarifas”, observou.

Apesar  da  instabilidade, Galípolo manifestou otimismo em relação à possibilidade de o Brasil se destacar diante de outros países emergentes. “A diversificação que o Brasil possui em sua pauta comercial, somada a um mercado doméstico relevante, passou a apresentar o país como um local de proteção. Na comparação com seus pares, o Brasil pode se destacar justamente por essa diversidade”.

Atuação do BC

Economistas ouvidos pelo Correio apresentaram diferentes análises sobre o comportamento do BC, ao elevar os juros.

Enquanto André Sacconato, professor de economia na Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe), vê a postura do BC como uma ação necessária para evitar um colapso futuro causado pelo excesso de demanda e de gastos fiscais, o economista Geraldo Bisoto, que leciona na Universidade Estadual de São Paulo (Unicamp), critica a atual taxa de juros e classifica a meta de inflação estabelecida pelo CMN como “incompatíve” à realidade brasileira e prejudicial à economia real.

Para Sacconato, a analogia do “chato da festa” utilizada por Galípolo é adequada. Ele avalia que o Banco Central é “o único na festa (na economia)” que tem a visão de que, se o ritmo atual de aquecimento continuar, a economia sofrerá consequências a longo prazo.

Sacconato aponta que os índices de inflação mostram que o setor de serviços está “muito aquecido” e que é ele o “termômetro da demanda”.

“O aquecimento contínuo dos serviços é um sinal claro de excesso de demanda na economia brasileira, impulsionado principalmente pelo fiscal e é o motivo central pelo qual o Banco Central precisa manter uma política monetária mais restritiva para controlar a inflação no longo prazo”, afirmou o professor da Fipe, que diminuiu o impacto inflacionário do setor de varejo. “Produtos como café aumentaram de preço por causa de fatores ambientais, não do lado fiscal”, explicou.

Crítico da atual política monetária, o economista Geraldo Biasoto classifica a taxa de juro real de “quase 9% ao ano” como “absolutamente incompatível com qualquer economia razoável” e sem “par no mundo” exceto em países muito pequenos e dolarizados.

“A economia brasileira não é assim. A economia aqui é mais complexa”, explicou.

Biasoto criticou a meta de inflação de 3% para uma economia “complexa” como a brasileira. Ele sugeriu que 4% seria mais adequado devido aos frequentes movimentos de preços relativos, como os de commodities agrícolas.

Além disso, o professor da Unicamp aponta que essa alta taxa de juros forma “grandes fortunas” para quem está no mercado financeiro. “Com juros de 9% de juros real ao ano, os títulos públicos da dívida se tornam muito atrativos”, finalizou.