O GLOBO, n 32.331, 12/02/2022. Economia, p. 14

País tem gasto extra de R$ 128 milhões com tér­mi­cas

Manoel Ventura


Tarifas de energia elétrica disparam, mas governo não consegue desligar as usinas mais caras, que têm prioridade no sistema, porque faltam linhas de transmissão. Custo adicional será pago na conta de luz até 2025

Não é só a falta de chuvas que explica a disparada nas contas de luz, que pesa no bolso dos brasileiros. Gargalos crônicos do setor elétrico impedem que a energia fique mais barata. Um exemplo gritante disso é o fato de que os consumidores de energia de todo o país poderão pagar, até 2025, pelo menos R$ 128 milhões por mês a mais pela energia gerada em três termelétricas, por falta de linhas de transmissão de eletricidade.

A mesma quantidade de energia produzida nessas usinas poderia ser gerada por outras termelétricas mais baratas, de acordo com documentos do Operador Nacional do Sistema (ONS) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aos quais O GLOBO teve acesso. A situação ocorre porque não há linhas de transmissão de energia suficientes para todas as usinas. 

O problema começou quando o governo federal realizou, em outubro do ano passado, um leilão de emergência para contratar usinas termelétricas pelo período de maio de 2022 a dezembro de 2025. O objetivo do leilão, chamado de "Processo de Contratação Simplificado" (PCS), foi garantir segurança ao sistema elétrico nos próximos anos, depois da crise hídrica de 2021, a mais severa em 91 anos.

PRIORIDADE ÀS MAIS CARAS

Parte das usinas contratadas, porém, está instalada em locais onde não há linhas de transmissão suficientes para escoar toda a energia gerada. 

Com mais geração que capacidade de transmissão, o ONS tem pela frente outro obstáculo: as termelétricas mais caras têm prioridade no sistema, por contrato.

Por esse motivo, a solução técnica apontada pelo Operador é reduzir a geração de usinas mais baratas e privilegiar as mais caras, conforme mostram os documentos. A situação foi indicada ao Ministério de Minas e Energia pelo ONS e pela Aneel. 

"As questões apontadas pelo Operador (ONS) indicam que determinados projetos contratados no PCS não atendem ao objetivo fim da contratação, qual seja, adição de recursos de geração, com intuito de garantir a segurança do suprimento até 2025", afirma um ofício assinado por quatro superintendentes da Aneel dirigido ao MME.

O custo extra de R$ 128 milhões por mês foi calculado pelo ONS considerando que as usinas são "inflexíveis" por contrato, ou seja, não desligam, mesmo tendo custos mais altos.

Para chegar a esse valor, o órgão calculou o custo fixo e o custo variável das usinas contratadas de maneira emergencial.

CONSUMIDOR PAGA A CONTA

Depois, descontou desse número o preço das usinas que terão a geração reduzida. A diferença é de cerca de R$ 41 milhões por usina ao mês. Tudo isso é pago pelos consumidores nas contas de luz. 

As usinas contratadas no processo emergencial identificadas pelo ONS estão instaladas no Espírito Santo: UTE Viana 1, UTE Povoação I e UTE Luiz Oscar Rodrigues de Melo.

No caso da UTE Viana 1, a análise do ONS identificou o "esgotamento, em regime normal de operação, da capacidade" da linha de transmissão que atende a região. Esse cenário se repete nas demais usinas listadas pelo ONS. Segundo o documento, isso ocorreria principalmente durante o período de seca na Região Sudeste, quando é necessário gerar mais energia no Nordeste.

O ONS também relatou que não há capacidade suficiente para transmitir a energia gerada por outra termelétrica contratada no leilão de 2021, instalada em Mato Grosso do Sul. Nesse caso, porém, não há como gerar a partir de uma usina mais cara — portanto, não haveria sobrecusto para os consumidores.

A situação dessas três termelétricas é mais uma evidência dos gargalos no escoamento da energia produzida no Brasil. O GLOBO mostrou no mês passado que hidrelétricas do Norte e Nordeste estavam jogando água fora porque não havia como escoar toda a capacidade de produção. Enquanto isso, o ONS acionava a geração por termelétricas mais caras. 

Procurado para comentar a situação, o Ministério de Minas e Energia não respondeu.