O GLOBO, n 32.331, 12/02/2022. Mundo, p. 17

DIPLOMACIA EMPACADA



Sem avanços, governos dizem que Rússia pode invadir Ucrânia a qualquer momento

Governos ocidentais elevaram o tom dos alertas sobre o risco de uma invasão russa da Ucrânia, ao final de uma semana marcada por poucos avanços diplomáticos e pela guerra de versões entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e Moscou. Neste cenário, está previsto, hoje que o líder russo, Vladimir Putin, mantenha conversas telefônicas separadas com os presidentes dos EUA, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron.

Em visita à Austrália, o secretário de Estado, Antony Blinken, seguiu o tom alarmista adotado por Biden na véspera e afirmou que uma invasão russa é iminente.

— Colocando de forma simples: continuamos a ver sinais preocupantes de uma escalada russa, incluindo a chegada de novas forças na fronteira com a Ucrânia — declarou Blinken, em entrevista coletiva. — Como mencionamos antes, estamos em uma janela de invasão, que pode ocorrer a qualquer momento, incluindo durante a Olimpíada.

Blinken se referia aos Jogos de Inverno, que ocorrem em Pequim até o dia 20 —analistas lembram que, em 2008, a intervenção russa na Geórgia teve início dias antes da Olimpíada daquele ano, realizada também na capital chinesa. 

PAÍSES ALERTAM CIDADÃOS

O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, repetiu o alerta, e pediu que os cidadãos americanos deixem a Ucrânia em até 48 horas. Embora não confirme ter informações de inteligência sobre uma decisão final de Putin de invadir a Ucrânia, ele afirma que a Rússia já posicionou as forças necessárias para uma invasão de grande porte, e que o Kremlin estaria buscando uma motivação para atacar. Sullivan declarou que a primeira etapa de uma eventual guerra seria uma série de bombardeios aéreos.

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, também mencionou o “risco real” de uma guerra na Europa.

—O número de militares russos aumenta, enquanto os prazos de advertência diminuem —afirmou, durante visita a uma base militar operada pela aliança na Romênia.

—Há o risco de uma invasão de grande escala, mas também de outras ações agressivas, como tentativas de derrubar o governo em Kiev, ciberataques híbridos e outros tipos de agressão russa.

O alarme foi replicado pelos governos de Reino Unido, Japão, Finlândia, Coreia do Sul e Holanda, que pediram para que seus cidadãos deixem a Ucrânia imediatamente.

Os comentários de Blinken e Stoltenberg vieram horas depois de uma entrevista de Biden à rede NBC. Nela, ele pediu a todos os cidadãos dos EUA na Ucrânia que deixem o país, e destacou que não enviará militares para operações de resgate em caso de guerra.

Ainda na noite de quinta, Biden se reuniu com seus conselheiros de segurança nacional na Casa Branca para discutir a presença de mais de cem mil militares russos nas fronteiras com a Ucrânia, além dos exercícios sendo realizados em conjunto com a Bielorrússia, e que vários países ocidentais consideram mais uma forma de pressão sobre Kiev.

O presidente também conversou por telefone, ontem, com líderes de Polônia, Alemanha, Itália, Romênia, Reino Unido e com representantes da União Europeia e da Otan. Segundo um porta-voz do governo alemão, eles concordaram em manter os esforços diplomáticos para evitar um conflito, mas voltaram a ameaçar com sanções “rápidas e severas” no caso de uma invasão. O premier britânico, Boris Johnson, afirmou que uma guerra poderia pôr em risco a segurança da Europa. 

Imagens de satélite divulgadas ontem mostram um aumento da presença de tropas russas na Crimeia, anexada por Moscou em 2014, na região de Kursk, a 100 quilômetros da divisa com a Ucrânia, e na Bielorrússia, em áreas onde ocorrem os exercícios conjuntos entre os dois países. Embora a Rússia reitere ter direito de realizar manobras livremente em seu território, o reforço dos contingentes preocupa, ainda mais no momento em que as iniciativas diplomáticas para uma resolução pacífica da crise estão estagnadas.

Esta semana, Macron se reuniu com Putin no Kremlin, e embora os dois tenham conversado por mais de cinco horas, não obteve concessões ou acertos. Na quinta-feira, a chanceler britânica, Liz Truss, também esteve na capital russa, em uma visita mais marcada por gafes dela do que por resultados concretos. Ontem, o ministro da Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, disse ter recebido garantias de que a Rússia não invadirá a Ucrânia, mas que as promessas precisam ser seguidas de ações.

—Escutei claramente do governo russo que eles não têm a intenção de invadir a Ucrânia, e também ouvi algumas de suas preocupações — declarou Wallace, após reunião com o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, em Moscou.

O principal ponto de discórdia é a lista de demandas, apresentadas por Putin em dezembro, que exige ações como o veto à entrada da Ucrânia na Otan, a retirada das forças da aliança dos países do Leste Europeu. Até agora, o Kremlin vem se mostrando insatisfeito com as respostas dadas pelo Ocidente, o que acaba acirrando as tensões em toda a região.

‘CAMPANHA MIDIÁTICA’

À noite, a Chancelaria russa publicou um longo texto acusando veículos de imprensa internacionais de promoverem “uma campanha midiática sem precedentes” para “convencer a comunidade internacional de que a Federação Russa está preparando uma invasão do território da Ucrânia”. Foram citadas empresas como a Bloomberg e o New York Times, dos EUA, o Guardian, do Reino Unido, e o Bild, da Alemanha. Para o ministério, essa seria uma forma de “desviar as atenções de suas próprias ações agressivas”

Na quinta-feira, representantes de Rússia, Alemanha, Ucrânia e França voltaram a se reunir em Berlim com o objetivo de discutir a implementação dos Acordos de Minsk, de 2015, para encerrar o conflito no Leste ucraniano entre forças de Kiev e separatistas pró-Moscou. A imprementação foi defendida por Macron em Moscou, Kiev e Berlim como base para um entendimento na atual crise, mas após cerca de dez horas reunidos, os representantes dos quatro países não alcançaram avanços.

“Colocando de forma simples: continuamos a ver sinais preocupantes de uma escalada russa, incluindo a chegada de novas forças na fronteira com a Ucrânia” _ Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA

“(Há) uma campanha midiática sem precedentes para convencer a comunidade internacional de que a Federação Russa prepara uma invasão da Ucrânia” _ Chancelaria da Rússia, em comunicado