O GLOBO, n 32.332, 13/02/2022. Política, p. 10
Flávio Bolsonaro disse quase tudo
Elio Gaspari
Na sua entrevista à repórter Jussara Soares, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse quase tudo:
— Para mim, quem soltou o Lula foi o Moro. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, ele fez coisas que estavam fora da lei. Era só ter cumprido a lei que o Lula estava preso até hoje.
Quase tudo, porque não há como garantir que, cumprindo-se a lei, Lula estaria preso. Quase tudo, porque também faltou lembrar o famoso tuíte do general Eduardo Villas Bôas. Mesmo assim, é certo que ao divulgar às vésperas do primeiro turno a colaboração do ex-ministro Antonio Palocci, Moro levou água para o moinho de Bolsonaro. Fortaleceu-o aceitando a costura de Paulo Guedes, ocorrida (sem divulgação) pouco antes do segundo turno.
Numa trapaça da sorte, Bolsonaro foi ajudado primeiro pela colaboração premiada de um ex-ministro da Fazenda (divulgada por Moro), e depois pelo futuro ministro da Economia, à época chamado de Posto Ipiranga.
A entrevista do senador pareceu um momento de moderação e, sobretudo, revelou a possibilidade de uma campanha na qual são aceitas as regras do jogo, até mesmo da vacina. Referindo-se a manifestações dos aliados do presidente que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo, ele disse que “se fosse chutar o balde, o Brasil afundaria”. Boas palavras, admitindo-se que o tamanho do chute viraria o balde. De qualquer forma, vale a conclusão: o Brasil afundaria.
Prever os próximos lances dos Bolsonaro é coisa temerária, mas fica o registro de que essa entrevista do senador foi pelo menos um momento de moderação.
Ele diz que o governo se comunica mal. Na realidade, Jair Bolsonaro se comunica de forma eficaz para seus admiradores e assim chegou à Presidência da República em 2019. A conjuntura era outra, e nela teve não só a ajuda de Moro, mas também de um outro tipo de negacionismo, vindo de seus adversários.
Se há um problema, não está na forma da comunicação, mas no seu conteúdo.