O GLOBO, n 32.334, 15/02/2022. Brasil, p. 9

Perda de aprendizagem assusta pai
Bruno Alfa
 


Sete em cada 10 pedem reforço escolar em Língua Portuguesa e Matemática.

Com o retorno das aulas presenciais, pais e responsáveis pedem aulas de reforço para compensar as perdas de aprendizagem dos alunos causadas pela pandemia. Pesquisa Datafolha, encomendada por Itaú Social, a Fundação Lemann e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), aponta que sete em cada 10 acham que seus filhos precisam dessa medida em Língua Portuguesa e Matemática. 

Entre as crianças em fase de alfabetização, 76% precisarão de mais atenção nessa retomada das aulas presenciais, segundo avaliam as famílias. Levantamento recém-divulgado pelo Todos pela Educação, com base em dados da Pnad Contínua, do IBGE, mostra que mais de 40% das crianças com 6 ou 7 anos de idade não sabiam ler ou escrever em 2021, o que representa um contingente de mais de 2,4 milhões.

É importante garantir que os conteúdos que ficaram para trás sejam gradualmente recuperados, com uma atenção individualizada às necessidades de cada aluno, especialmente os mais vulneráveis, que foram os mais afetados pela pandemia —defende Daniel de Bonis, diretor de Políticas Educacionais na Fundação Lemann.

'Medo de não aprender'

Mãe de três, Verônica Batista dos Santos, de 47 anos, viu os dois filhos mais novos, de 13 e 7 anos, perderem muita aprendizagem durante a pandemia.

 — Só tinha um celular para três estudarem em 2020.

No ano passado, eles voltaram uma parte presencial, outra de casa. Mas meu filho mais velho teve câncer e não consegui acompanhá-los nesses momentos on-line. Então, as crianças não fizeram quase nada. — conta Verônica, que trabalha como auxiliar de serviços gerais em uma igreja.

Foi a ajuda de uma amiga que fez com que a caçula, Maria Júlia, conseguisse aprender a ler e escrever na idade correta. Ela deu aulas de reforço, de graça, na casa da família.

— Ela não é professora, mas tem o dom do ensino. — diz a moradora de Jardim Iporanga, Zona Sul de São Paulo. — Minha preocupação é que eles passam mesmo sem aprender. O meu do meio teve notas baixíssimas e foi aprovado. Tenho medo de ele terminar o colégio sem ter aprendido nada. 

A pesquisa “Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias” foi feita em dezembro de 2021. Por telefone, o Datafolha ouviu 1.306 pais e responsáveis e 1.850 estudantes. É a oitava rodada feita por essas instituições desde o começo da pandemia.

'Desigualdade de Acesso'

Segundo o levantamento, de acordo com pais e responsáveis, 88% dos estudantes da rede pública de ensino tiveram as escolas reabertas. No entanto, há grande desigualdade nessa volta: no Nordeste, o índice foi de 77%, enquanto no Sudeste foi de 97%, o que representa uma diferença de 20 pontos percentuais.

Além disso, alunos de escola com nível socioeconômico (NSE) mais alto também possuem mais acesso ao processo de reabertura. A diferença neste caso foi de 12 pontos percentuais. — 80% entre estudantes de escolas de baixo NSE contra 92% de estudantes de alto nível socioeconômico. 

A pesquisa também identificou que, em dezembro, mais de 800 mil estudantes continuavam sem receber nenhum tipo de atividade escolar, mesmo matriculados. Enquanto isso, 83% dos estudantes que retornaram para as atividades presenciais acreditam que estão evoluindo no aprendizado — percepção observada em todas as regiões do Brasil e em todos os ciclos de ensino.

De acordo com as famílias, os alunos que voltaram às atividades presenciais estão mais animados (86%), mais otimistas com o futuro (80%), mais independentes para realizar as tarefas (84%) e mais interessados nos estudos (77%) do que aqueles que continuavam no ensino remoto (os percentuais para estas perguntas foram, respectivamente, 74%, 72%, 72% e 60%).

A preocupação, no entanto, ainda é de que parte desses estudantes deixe as salas de aula. Segundo a pesquisa, em dezembro, dois em cada 10 alunos corriam o risco de abandonar a escola, na percepção de pais e responsáveis. Entre os motivos mais citados para o medo da desistência estão o fato de o estudante ter perdido o interesse pelos estudos (29%) e não estar conseguindo acompanhar as atividades (29%) por conta da pandemia. 

Outros 15% citaram falta de acolhimento, e 12%, a necessidade de trabalhar para ajudar a família. Esse último resultado é maior entre os alunos de ensino médio (21%), que também são os mais impactados pela falta de interesse (38%).

— As famílias revelaram que a intenção dos alunos da rede pública em abandonar a escola ainda é muita alta, mesmo com o retorno presencial. Isso reforça o quanto temos que nos concentrar em estratégias para o acolhimento, oferecendo a eles ferramentas para que consigam evoluir nos seus aprendizados. — afirma a superintendente do Itaú Social, Angela Dannemann. 

Na avaliação de Dannemann, além de garantir aulas de reforço, é preciso olhar como os estudantes estão inseridos em um cenário mais amplo.  

— Isso envolve desde a diminuição de renda e segurança alimentar das famílias até os aspectos emocionais. A articulação entre os entes federativos e a colaboração da sociedade civil é fundamental para não deixarmos ninguém para trás. — defende Dannemann.