O Estado de S. Paulo, n. 48109, 06/07/2025. Internacional, p. A12
Brasil tenta dar peso à esvaziada reunião de cúpula do Brics, no Rio
Felipe Frazão
Objetivo é evitar que ausência dos principais líderes atrapalhe consensos em temas sensíveis, como guerras e tarifaço.
Às vésperas do início, a cúpula do Brics sofreu baixas que reduzem seu peso político e podem afetar a repercussão de um dos eventos mais importantes da estratégia de inserção internacional do gover no Lula. As ausências, sobretudo de países do Oriente Médio, tornam a reunião, realizada hoje e amanhã, uma das mais esvaziadas dos últimos anos.
A diplomacia brasileira trabalhava para contornar o esvaziamento. Os negociadores tentam evitar que a ausência dos principais líderes atrapalhe consensos em temas sensíveis, como guerras, tarifaço comercial e acordo em torno da proposta de reforma do Conselho de Segurança da ONU. A intenção da chancelaria é mandar um recado em defesa do multilateralismo.
Ontem, os negociadores concluíram o debate para que o grupo adote uma manifestação de consenso. Eles contornaram impasses que dominaram a discussão ao longo da semana sobre o comunicado que será emitido hoje pelos líderes.
Diplomatas envolvidos nas discussões relataram que o Brics caminhava para elevar o tom contra os ataques sofridos pelo Irã, mas não no teor que Teerã desejava. Insatisfeitos, diplomatas iranianos ouvidos pelo Estadão questionaram se esse era o momento para “moderação”, mas disseram entender que às vezes é preciso tempo. Não havia informações sobre o conteúdo exato do texto final.
AUSÊNCIAS. Por reunir os principais países emergentes e alguns dos diretamente envolvidos ou afetados em guerras no Oriente Médio e no Leste Europeu, a cúpula atrai atenção internacional.
A ausência do russo Vladimir Putin era esperada, em razão da ordem de prisão contra ele emitida pelo Tribunal Penal Internacional, por crimes de guerra na Ucrânia. Por fazer parte do Estatuto de Roma, que criou o TPI em 1998, o Brasil teria obrigação de prendê-lo. Putin será representado pelo chanceler Serguei Lavrov e participará por videoconferência.
Banners dos países do Brics em frente ao Museu de Arte Moderna, onde ocorre a cúpula do bloco
Já a ausência do chinês Xi Jinping frustrou o governo Lula, embora Pequim tivesse indicado a dificuldade de ele voltar ao Brasil depois do G-20, em novembro. Mesmo assim, Lula foi à China e trabalhou para convencê-lo a vir. Será a primeira vez que Xi não participa de cúpulas do Brics desde que chegou ao poder, em 2013.
O embaixador chinês, Zhu Qingqiao, comunicou ao Planalto que Xi seria representado pelo primeiro-ministro Li Qiang. Pequim não deu justificativas claras, segundo integrantes do
Redução de danos Brasil atrasou ao máximo a divulgação da programação oficial e da lista de presentes
governo. Embora reconheça que o presidente chinês fará falta e atrairia outros líderes se viesse, o governo não vê “desinteresse” de Pequim pelo Brics.
Diplomatas também descartam a possibilidade de que os cancelamentos tenham como motivo uma tentativa de não desagradar o presidente dos EUA, Donald Trump, que vê o grupo como um adversário da ordem ocidental e já ameaçou impor taxas de 100% caso o bloco avançasse na sua pauta de usar moedas locais para transações comerciais no lugar do dólar.
O representante esperado
dos Emirados Árabes deverá ser o príncipe herdeiro, Khaled bin Mohamed bin Zayed al-Nahyan, também enviado ao G-20 no lugar do pai, o presidente Mohamed bin Zayed al-Nahyan, conhecido como MBZ.
A guerra de Gaza é dada como a razão para a ausência do presidente do Egito, Abdel Fattah alSisi. O Egito enviará como chefe da delegação o primeiro-ministro Mostafa Madbouly. Com isso, uma possível reunião ou visita de Estado entre Lula e Sisi acabou cancelada.
O governo, então, propôs abrir espaço na agenda de Lula para que o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, realizasse visita de Estado em Brasília. Mas ele também declinou, segundo um embaixador sulafricano. Ramaphosa participará apenas da cúpula no Rio.
CONFLITOS. Há meses, conflitos militares ao redor do mundo ameaçavam esvaziar a cúpula. Em telefonema com Lula, o premiê da Índia, Narendra Modi, condicionou sua presença ao arrefecimento da crise com o vizinho Paquistão, na histórica disputa pela Caxemira – o que acabou acontecendo.
Os ataques dos EUA e de Israel ao Irã e um cessar-fogo visto como instável foram considerados por embaixadores brasileiros a razão para a ausência do presidente iraniano, Masoud Pezeshkian. Ele será substituído pelo chanceler Abbas Araqchi.
A ausência da Arábia Saudita também será sentida. O primeiro-ministro e príncipe herdeiro, Mohamed bin Salman, jamais oficializou a adesão ao Brics. Mas, desde o convite, em 2023, o país vem sendo listado como membro “pendente de confirmação” e participa de reuniões, representado pelo chanceler Faisal al-Saud.
Entre os “parceiros” do Brics, categoria de associação que inclui 10 países, alguns também vão participar com o segundo escalão, caso de Belarus, um dos maiores aliados da Rússia na guerra na Ucrânia, que enviará o chanceler Maxim Rizhenkov.
O nível dessas participações foi revisitado durante a presidência brasileira em razão da limitação proposta inicialmente, que frustrou delegações. Esses parceiros não deliberam, não votam, nem vetam proposições. Via de regra, têm assento apenas nas reuniões de líderes e de chanceleres.
Além de Belarus, são parceiros Bolívia, Casaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Vietnã, Uganda e Usbequistão. O governo Lula convidou ainda países como Angola e Turquia e, da América Latina, Chile, México, Colômbia e Uruguai.
Para evitar a frustração de expectativas, o Itamaraty e o Planalto quebraram um costume e retardaram ao máximo a divulgação da programação oficial e da lista de presentes e ausentes.