VALOR ECONÔMICO, n 5409, 04/01/2022. Brasil, A4
Balança fecha ano com saldo recorde de US$ 61 bilhões
Estevão Taiar e Marta Watanabe
Com superávit comercial recorde de US$ 61 bilhões, maior valor histórico em exportações e em corrente de comércio - que ficou pouco abaixo dos US$ 500 bilhões -, a balança comercial contribuiu de forma positiva para o setor externo em 2021. O desempenho, porém, avaliam especialistas, resultou principalmente de fatores conjunturais que não devem contribuir com a mesma força em 2022.
Do lado das exportações espera-se um ajuste de preços de commodities como o minério de ferro, que deve ficar com cotação média abaixo da do ano passado. Ao mesmo tempo as importações, que em 2021 cresceram embaladas pela recuperação da economia, mas também muito afetadas por pressão de preços, pandemia e crise hídrica, devem neste ano ser limitadas por baixo desempenho da atividade e pelo câmbio.
Com base nisso, o cenário esperado por especialistas ouvidos pelo Valor indica superávit comercial bem menor que os US$ 79,4 bilhões projetados pela Secex para 2022. A LCA Consultores estima saldo positivo de US$ 64 bilhões, enquanto a Tendências aponta superávit de US$ 58,5 bilhões e a Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) projeta resultado de US$ 34,5 bilhões.
“Realmente é interessante ter termos de troca apreciados e de fato a aceleração das importações reflete em parte o aumento da atividade, mas há muita coisa extremamente idiossincrática da recuperação causada pelas paralisações abruptas de 2020 e que não são mudanças estruturais da economia brasileira ou mesmo tendências de crescimento mundial que vão perdurar para os próximos anos”, diz a economista Ana Luísa Mello, da LCA Consultores.
Na exportação, os fatores foram igualmente conjunturais, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) “Não foram resultados criados pelo Brasil, como resultado de uma política estrutural, mas sim pelos diversos fatores que influenciaram o mercado internacional em 2021”, diz ele. Entre eles, a recuperação mundial em 2021 de forma desigual, com choques de oferta e gargalos logísticos que impulsionaram preços em geral, assim como o das commodities agrícolas e metálicas.
Segundo os dados da Secex divulgados ontem, a exportação em 2021 totalizou US$ 280,4 bilhões, com alta de 34% em relação a 2020. As importações somaram US$ 219,4 bilhões, com avanço de 38,2%, sempre pela média diária.
O desempenho recorde dos embarques em 2021, diz Welber Barral, sócio da BMJ Consultores Associados, foi propiciado pela exportação de commodities, principalmente do minério de ferro, que foi “um ponto fora da curva” no ano passado.
Para 2022 o que se espera é um ajuste, avalia Barral, mas ainda assim os preços de commodities devem-se manter em nível elevado, o que favorece as exportações brasileiras. O mais factível, diz o ex-secretário de Comércio Exterior, é um superávit comercial em 2022 mais próximo ao do ano passado. Um resultado muito melhor, diz, depende do avanço da exportação de produtos manufaturados, mas isso deve acontecer conforme a recuperação de mercados latino-americanos e está sujeito à concorrência dos países asiáticos, que costumam aproveitar momentos de retomada econômica para ganhar maior fatia de mercado.
Castro, da AEB, destaca que a retomada nesses casos deve seguir gradual. A balança com a Argentina, aponta, fechou com déficit para o Brasil de US$ 70 milhões em 2021. Trata-se de um déficit pequeno, diz ele, mas com um destino tradicional de manufaturados brasileiros. No comércio como um todo, diz ele, além do ajuste de preços nas commodities, a exportação brasileira deve sofrer também com a esperada desaceleração da economia da China, maior parceira comercial do Brasil em produtos importantes como minério de ferro e soja.
O ambiente internacional em meio à desaceleração da economia chinesa também é alvo de preocupação da economista Yasmin Riveli, da Tendências. Em relatório divulgado pela consultoria, ela diz que esse cenário pode afetar as exportações de 2022 e contribuir para que os embarques brasileiros fiquem neste ao em níveis próximos aos alcançados em 2021. Yasmin destaca as projeções favoráveis para os grãos, diante da perspectiva de safra recorde de soja, ainda que riscos climáticos também possam limitar o resultado.
Do lado da demanda doméstica, diz Yasmin, a expectativa é de alívio do quadro pandêmico, diante do avanço da vacinação contra a covid-19. “Tal contexto deve favorecer o desempenho de alguns setores industriais. Por outro lado, o aperto monetário em curso e o panorama de incertezas, diante dos riscos fiscais e políticos, devem se materializar em baixo dinamismo econômico, o que deve impactar negativamente as importações”, avalia no boletim. O real fortemente desvalorizado em relação ao dólar também deve contribuir para o quadro, aponta.
Ao divulgar os dados ontem, o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, afirmou que o “principal objetivo” do governo do presidente Jair Bolsonaro na área do comércio exterior é terminar 2022 com uma corrente de comércio - soma das exportações e das importações - superior à de 2019. Ele destacou que a corrente de comércio em 2019 era de US$ 407 bilhões, contra US$ 491 bilhões previstos para este ano. O número estimado pela Secex para este ano representa queda em relação aos US$ 499 bilhões registrados em 2021, mas o recuo não é fonte de preocupação, aponta o secretário. “Com previsão de crescimento mais baixo da economia brasileira, é natural que a gente anteveja um valor importado um pouco mais baixo”, disse. De acordo com ele, a expectativa para este ano é de taxas de crescimento das demandas global e brasileira “mais próximas do nível pré-pandemia”.