VALOR ECONÔMICO, n 5409, 04/01/2022. Opinião , A8

Consumo fraco freia a recuperação da economia
 

O consumo das famílias deve desacelerar neste ano e pouco vai ajudar na sustentação da economia. Apesar de a taxa de desemprego ter diminuído nos últimos meses, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou forte queda da renda real. Já está havendo impacto na redução da poupança e aumento do endividamento, o que inibe ainda mais as compras.

As despesas com consumo por parte das famílias chegaram a saltar 10,5% no segundo trimestre do ano passado, em relação ao mesmo período de 2020. Nesse mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB) teve expansão de 12,3%. Mas perderam o fôlego no terceiro trimestre, quando aumentaram 4,2% em relação ao terceiro do ano anterior e o PIB avançou 4% na mesma base de comparação.

As vendas na Black Friday e no Natal já mostraram consumidores mais arredios, o que pode ser atribuído à redução da renda, apesar de o desemprego seguir diminuindo aos poucos. Isso acontece porque predomina a oferta de vagas de menor remuneração, principalmente no setor informal.

A taxa de desemprego caiu para 12,1% da população em idade ativa no trimestre de agosto a outubro, em comparação com 12,6% no trimestre anterior, no levantamento do IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. Conseguiram emprego 3,3 milhões de pessoas, 60% das quais sem carteira assinada. O total de informais representa 40,7% da população ocupada, ou 38,2 milhões de pessoas, incluindo os trabalhadores por conta própria, que estão no maior patamar da série, com 25,8 milhões de pessoas, grupo diverso que inclui desde o empreendedor sem CNPJ ao vendedor de óculos de sol na praia.

Houve aumento na ocupação com carteira de trabalho no setor privado de 1,3 milhão de pessoas, chegando a um total de 33,9 milhões, ou 36,1% do total de ocupados. O aumento da concorrência da mão de obra, porém, empurra os salários para baixo. Ainda há 12,9 milhões de pessoas em busca de trabalho.

A expansão da ocupação principalmente no trabalho informal e a concorrência pela carteira assinada diminuíram o rendimento real habitual, que foi de R$ 2.449 em outubro, o menor patamar desde 2012. Na comparação com o mesmo trimestre de 2020, a queda foi de 11,1%.

Já a massa de rendimento ficou em R$ 225 bilhões e permaneceu estável frente aos dois trimestres anteriores em função do aumento do número de empregados. A recuperação é quantitativa, mas não qualitativa, disse a coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, Adriana Beringuy.

Levantamento da LCA Consultores também reforça a piora da qualidade da ocupação. O percentual de trabalhadores que ganha até um salário mínimo subiu de 29,2% em 2019 para 36,4% em setembro passado. Já o percentual dos que ganham mais de dois salários mínimos caiu de 35,1% para 28,8%.

Outra faceta da nova realidade é a redução da poupança entre a baixa renda. Depois de ter crescido no primeiro ano da pandemia em consequência da cautela das pessoas e da impossibilidade de se gastar devido ao isolamento social, a poupança começa a se esvair, especialmente entre as camadas mais pobres da população.

Levantamento feito pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Cemec/Fipe) constatou que a poupança financeira das famílias teve uma injeção recorde de R$ 165,9 bilhões no segundo trimestre de 2020, mas começou a ser esvaziada neste ano inclusive para o pagamento de contas e, no trimestre encerrado em  setembro, somou apenas R$ 44,94 bilhões. Somente quem possui poupança com saldo superior a R$ 50 mil continuou gerando fluxo positivo, segundo o Cemec/Fipe.

Não por acaso, o endividamento das famílias segue crescendo, mesmo com a nova metodologia adotada pelo Banco Central (BC) que inclui auxílios, férias, horas extras e 13º salário. Com essa alteração, o endividamento das famílias brasileiras com o sistema financeiro aumentou de 48,7%, em agosto, para 49,4% em setembro.

As previsões não são otimistas. Não se espera melhora significativa do mercado de trabalho. Se a inflação ceder, como se espera, a renda real das famílias até vai aumentar; e o desemprego pode seguir diminuindo ligeiramente até o primeiro trimestre deste ano. Mas há o efeito negativo da trajetória de alta dos juros e a expectativa de um cenário econômico mais turbulento com a campanha para as eleições presidenciais.