O Estado de S. Paulo, n. 48123, 20/07/2025. Política, p. A8
Ex-presidentes condenados por atacar a democracia não escapam de punição
Hugo Henud
Alvo de novas medidas cautelares na última semana, Jair Bolsonaro tenta reverter no Supremo Tribunal Federal (STF) uma possível condenação por tentativa de golpe de Estado. Ao mesmo tempo em que tenta se livrar na Justiça, em outra frente, o ex-presidente também pleiteia a obtenção de uma anistia no Congresso. As duas iniciativas, no entanto, esbarram em um histórico global sem reversões.
Um levantamento inédito, realizado por cientistas políticos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade de Pisa, na Itália, mapeou 148 condenações de ex-chefes de governo em 76 países entre os anos de 1946 e 2024. O estudo mostra que, ao contrário dos casos de corrupção, nenhuma sentença resultante de ataque direto à ordem democrática foi revertida, seja por decisão judicial ou anistia.
De todos os casos mapeados pelos pesquisadores, não há registro de que a condenação de um ex-presidente, primeiroministro ou até mesmo um ditador por crimes contra a democracia, como tentativa de golpe de Estado, tenha sido re
Após manifestações
Ação deve estar pronta para julgamento da Primeira Turma do Supremo, em setembro
vertida por tribunais, em qualquer instância, ou encerrada por meio de anistia - as duas apostas de Bolsonaro para poder se livrar da condenação.
Entre os casos alvo da pesquisa está o do ex-ditador tunisiano Zine El Abidine Ben Ali, que foi condenado em 2012, entre outros crimes, por uso ilegítimo das Forças Armadas. Já o general Jorge Rafael Videla, que liderou o golpe militar na Argentina em 1976 e comandou o país durante a ditadura, foi condenado em 1985 por crimes ligados à ruptura institucional.
Esse é justamente o tipo de acusação que o ex-presidente brasileiro enfrenta no STF, onde responde por tentativa de golpe de Estado, além de outras imputações.
Na sexta-feira, o ministro Alexandre de Moraes impôs novas medidas cautelares contra o ex-presidente, como o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica e restrições de redes sociais. A decisão se baseia na avaliação de que Bolsonaro e seu filho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, hoje vivendo nos EUA, praticaram crimes durante o curso do processo ao tentar pressionar, por meio do governo norte-americano, a Corte brasileira para reverter justamente a ação penal em que o ex-presidente responde pelo plano golpista.
O ex-presidente também foi proibido de se comunicar com outros réus, com seu filho Eduardo, e precisará cumprir recolhimento domiciliar.
O pesquisador e professor de ciência política da UFSC, Luciano Da Ros, um dos responsáveis pelo levantamento, explica que as condenações por crimes contra a democracia, como tentativa de golpe de Estado, costumam ocorrer em momentos de reafirmação institucional e são impostas por tribunais que estão fortalecidos, ou seja, que têm o respaldo político e social. “Isso torna sua reversão mais difícil”, diz.
PERDÃO DO CONGRESSO. Além da estratégia jurídica, Bolsonaro e seus aliados apostam em uma saída política com a aprovação do Projeto de Lei da Anistia no Congresso. A proposta busca perdoar os crimes relacionados aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, abrindo brecha para beneficiar o expresidente.
O movimento pela anistia é tratado como prioridade por apoiadores do bolsonarismo diante da crescente expectativa de condenação no STF.
A articulação, no entanto, avança em meio a um cenário de desgaste, agravado pela recente decisão de Donald Trump de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros exportados para aquele país. A medida foi anunciada sob a justificativa do que o republicano chamou de “caça às bruxas”, em referência às decisões do Supremo contra Bolsonaro na ação que investiga sua tentativa de golpe.
Apesar da pressão interna
“Ao apostar em estratégias jurídicas e políticas para evitar uma punição, Bolsonaro enfrenta esse tipo de barreira, até agora intransponível no histórico global”
Luciano Da Ros Pesquisador e professor de ciência política da UFSC
“Vamos fazer uma ofensiva em várias frentes”
Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) Líder do PL na Câmara
cional, o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), reafirma o compromisso com a pauta da anistia. “Vamos continuar focados. Isso parece uma estratégia para desviar o foco do movimento da anistia. Vamos fazer uma ofensiva em várias frentes”, afirma.
O posicionamento é endossado pelo líder da oposição na Câmara, deputado Zucco (PLRS), que também aposta na proposta de anistia à tentativa de golpe de Estado. “Vamos colocar para votar.”
CORRUPÇÃO. Se em casos de golpe de Estado nenhuma condenação jamais foi revertida, de acordo com o levantamento, o cenário é diferente quando se trata de crimes de corrupção. Dos 148 casos analisados no estudo, 95 envolviam esse tipo de acusação. Desse total, 36% tiveram reversão judicial.
Entre os exemplos estão os casos do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, que conseguiram anular suas condenações em tribunais superiores e retornar à cena política.
De acordo com Da Ros, essa maior taxa de reversão em casos de corrupção está ligada a um desequilíbrio na independência entre as diferentes instâncias do Judiciário. Embora se espere que os tribunais superiores sejam mais autônomos, em muitos países ocorre o contrário e são justamente os de primeira instância que atuam de forma mais independente e acabam condenando os líderes políticos.
Já as Supremas Cortes, mais próximas das elites ou do poder político, funcionam como uma instância de contenção. “É como se um tribunal mais independente condenasse e outro, menos independente, anulasse a decisão”, resume o pesquisador.
No caso de Bolsonaro, o processo já está na fase final. A Procuradoria-Geral da República apresentou suas alegações finais atribuindo ao ex-presidente o papel de “principal articulador” de uma trama para desacreditar as eleições de 2022, que deram vitória a Lula.
A expectativa é de que a ação esteja pronta para julgamento da Primeira Turma do Supremo em setembro, após a manifestação das alegações de Mauro Cid e demais réus. Se condenado em todos os crimes, Bolsonaro poderá pegar mais de 40 anos de prisão.
“Ao apostar em estratégias jurídicas e políticas para evitar uma punição, Bolsonaro enfrenta justamente esse tipo de barreira, até agora intransponível no histórico global”, completa Da Ros.