O GLOBO, n 32.334, 15/02/2022. Mundo, p. 17

Bolsonaro minimiza tensão entre Rússia e Ucrânia

André de Souza


Presidente cita territórios anexados por outros países no passado

Prestes a realizar viagem à Rússia, aonde chega hoje, o presidente Jair Bolsonaro minimizou a tensão entre o país e a vizinha Ucrânia. Em conversa com apoiadores na entrada do Palácio da Alvorada, ele afirmou querer a paz, mas disse que “o mundo todo tem seus problemas” e citou exemplos históricos de um país anexando terras de outro. A viagem ocorre em meio a alertas de países ocidentais sobre uma “iminente” invasão da Ucrânia pela Rússia.

Bolsonaro não mencionou a anexação da Crimeia, que havia sido cedida à Ucrânia na era soviética, pela Rússia em 2014. Ele citou outros episódios, como o das Ilhas Malvinas, ocupadas pelo Reino Unido no século XIX e que a Argentina até hoje quer de volta, já tendo inclusive iniciado uma guerra há 40 anos com esse objetivo, que acabou com vitória dos britânicos. Mencionou o próprio Brasil, que perdeu o Uruguai, que já foi uma província brasileira, mas, por outro lado, ganhou o Acre, que pertencia à Bolívia. Falou ainda do Essequibo, região da Guiana cobiçada pela Venezuela; e da parte dos EUA que pertencia ao México e foi anexada após uma guerra no século XIX.

—O mundo todo tem seus problemas. Se você começar a querer resolver o problema dos outros... O que for possível, a palavra lá é de paz para ajudar, tudo bem. Mas sabe o que está em jogo, não vou entrar em detalhes aqui. Temos problemas. A Argentina tem problemas com as Malvinas. No passado tivemos problemas, perdemos o Uruguai, ganhamos o Acre. Hoje a Venezuela quer a região de Essequibo, na Guiana. O americano mesmo pegou alguns estados do México no passado. A gente quer a paz, mas tem que entender que todo mundo é ser humano. Vamos torcer. Se depender de uma palavra minha, o mundo teria a paz — disse Bolsonaro.

‘JOGO DE PRESSÃO’

O presidente foi aconselhado a desistir da viagem, mas, mesmo alertado de que a visita poderia criar desgaste com os EUA e a União Europeia, ele nem chegou a considerar a hipótese. A justificativa é que as relações comerciais com a Rússia são estratégicas para setores como agronegócio e energia. Em ano eleitoral e com Bolsonaro atrás nas pesquisas, o encontro com um líder global também busca mostrar prestígio internacional.

—Temos a viagem à Rússia. Sabemos do momento difícil que existe naquela região. Temos negócios com eles, comerciais. Em grande parte, o nosso agronegócio depende dos fertilizantes deles. Temos assunto para tratar sobre defesa, sobre energia. Muita coisa para tratar. O Brasil é um país soberano. Vamos torcer pela paz lá, que dê tudo certo — afirmou Bolsonaro, que se reunirá com o presidente russo, Vladimir Putin, amanhã e terá de fazer cinco testes de Covid para atender as exigências sanitárias do Kremlin.

Também ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão disse não ver problemas na viagem de Bolsonaro. Segundo ele, o que há na região é um “jogo de pressão” envolvendo Rússia, Ucrânia e a Otan, a aliança militar ocidental. Mourão avalia que o cenário vai ficar só nesse jogo de pressão. 

—Semana passada, o presidente da Argentina [Alberto Fernández] esteve lá [na Rússia]. Zero trauma. Não vejo problema. Essa tensão que está ocorrendo é fruto aí das pressões de ambos lados, entre a Rússia, a própria Ucrânia que está imprensada, e óbvio o pessoal da Otan, com os Estados Unidos à frente. Na minha opinião, vai ficar nesse jogo de pressão. Então a viagem do presidente lá é só um dia. Sem maiores problemas.