VALOR ECONÔMICO, n 5411, 06/01/2022. Especial, A10
Com alta de 0,4%, PIB será nova decepção, apontam estimativas
Anaïs Fernandes e Victor Rezende
Passada a recuperação da atividade em 2021, após o tombo de 2020 com a pandemia, o Produto Interno Bruto (PIB) deve retornar, em 2022, à toada de baixo crescimento que tem marcado o Brasil nos últimos anos. O aperto das condições financeiras, sobretudo pela alta dos juros, deve ser o principal fator conjuntural a dificultar o avanço da economia, enquanto agropecuária, recomposição de estoques na indústria e investimentos públicos de Estados e municípios podem ajudar a evitar um desempenho ainda pior do produto.
Os desdobramentos da ômicron no Brasil, por sua vez, ainda trazem dúvidas neste início de ano, mas, por ora, economistas avaliam que os impactos sobre a atividade devem ser limitados.
Pesquisa do Valor com 105 instituições financeiras e consultorias indica um crescimento mediano do PIB brasileiro de 4,6% em 2021 e de apenas 0,4% em 2022 - 26 casas projetam contração da atividade neste ano e outras 13 preveem um PIB estagnado.
Um dos principais componentes para a desaceleração da alta de 4,5% em 2021 para apenas 0,3% em 2022 na projeção do Barclays é o elemento cíclico, explica Roberto Secemski, economista para Brasil do banco. Segundo ele, não há nenhum fator altista herdado por 2022 de 2021, como houve no fim de 2020, quando a recuperação era em “V”, o que deixou uma base bem maior para o crescimento do ano passado. “Esse efeito não vai se repetir. A recuperação em ‘V’ aconteceu, mas, no melhor dos casos, ela se estabilizou”, diz. Secemski estima que a “herança estatística” deixada pelo quarto trimestre de 2021 para este ano deve ser zero.
“A parte fácil da recuperação já aconteceu, ficou para trás. Agora, nós tendemos a voltar a um padrão de crescimento baixo. O nosso PIB potencial está na casa de 1% a 1,5%. Assim, quando nós pensamos sobre o que esperar no médio prazo, as expectativas são baixas”, aponta o economista.
No caso de 2022, em particular, com o aperto monetário em curso, o que se vê é um efeito negativo sobre a atividade, diz Secemski. “Mas não só isso. A maioria dos indicadores de confiança tem sugerido queda nos últimos três, quatro meses, e há volatilidade típica de ano eleitoral, que tende a contribuir para condições financeiras mais restritivas, principalmente na segunda metade do ano”, afirma.
A nova onda de contágio ainda pode ganhar força no Brasil, onde os dados incompletos do Ministério da Saúde dificultam a leitura mais recente, acrescenta Secemski. “Embora novos ‘lockdowns’ sejam improváveis por causa da disseminação da vacinação, é possível que parte da população deixe de consumir alguns serviços relacionados a lazer e turismo por algumas semanas, de forma preventiva”, afirma
Isso poderia contribuir negativamente para a atividade no primeiro trimestre, mas, para Secemski, ainda pior seria a volta de discussões sobre aumento de gastos através de uma possível declaração de estado de calamidade, “que suspenderia novamente as regras fiscais, desta vez em um ano eleitoral”, observa.
Na ponta mais pessimista, Andrei Spacov, economista-chefe da Exploritas, calcula que o carrego estatístico do quarto trimestre de 2021 para 2022 já está negativo em torno de 0,5%.
A atividade veio em recuperação forte até o primeiro trimestre de 2021, mas, desde então, cai devagar, recorda ele. “Devemos ter encerrado 2021 com PIB ao redor de 4,5%, o que parece bom, mas, na verdade, é ruim, porque se você pegar o carrego ali do primeiro trimestre, ou seja, se ficasse no zero a zero no resto do ano, ia crescer 5%”, explica o economista.
Os dados de outubro foram “muito ruins” e informações preliminares para novembro e dezembro também sugerem números fracos, diz Spacov. Ele espera que o PIB do quarto trimestre de 2021 também registre contração, de cerca de 0,5%, após quedas de 0,4% e 0,1% no segundo e terceiro trimestre de 2021, respectivamente.
O cenário para 2022, no entanto, será ainda mais negativo do que sugere o carregamento, diz Spacov, que projeta queda de 1,2% para o PIB em 2022. A piora nas condições financeiras deve levar a um desempenho ruim do investimento privado e do consumo das famílias neste ano, indica.
“Já estamos observando um aperto brutal das condições financeiras, principalmente pela taxa de juros, em um ambiente em que você não tem mais o parafiscal atuando como antes”, observa Spacov. E, na realidade, a maior parte da alta de juros em curso ainda nem se fez sentir na economia, acrescenta. “Deve ter seus efeitos mais para maio, junho deste ano.”
A recessão só não será pior em 2022, segundo Spacov, porque alguns fatores devem ajudar a amenizar a queda. Um deles é o maior investimento público, sobretudo de Estados e municípios. Além disso, o setor agropecuário deve trazer contribuição positiva para o PIB. “Talvez um pouco menos do que se imaginava, porque já estamos vendo alguma perda de safra, principalmente no Sul, que pode ser importante. Mas ainda deve ajudar”, afirma.
Secemski, do Barclays, cita ainda outras questões que podem evitar uma desaceleração ainda maior da economia em 2022. “Uma delas é a potencial reconstrução de estoques, caso se assuma alguma reversão do descompasso das cadeias produtivas”, afirma ele, ponderando que o fenômeno é um fator pontual para 2022.
Além disso, diz, o nível de poupança das famílias segue relativamente elevado e há também o Auxílio Brasil. “É um gasto direcionado a uma população que tem propensão marginal a consumir. Isso ajuda a moderar o tamanho do tranco que vem pelo lado do aperto monetário e das condições de confiança”, afirma Secemski.
Apesar do diagnóstico de que a economia brasileira “anda de lado” desde junho de 2021, Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos, estima uma “herança estatística” de 0,3% de 2021 para o PIB de 2Em uma ponta menos pessimista das previsões, Sobral reconhece que a parte ligada ao consumo, com mais peso no PIB, deve sofrer com a inflação ainda alta e os juros subindo, mas diz que sua projeção é “a constatação contábil” de três fatores principais que podem “salvar” o Brasil de uma recessão.
Além da recomposição de estoques em ramos industriais e do crescimento de setores ligados a commodities, como a safra de grãos e a produção de petróleo, o economista cita ainda uma recuperação residual de segmentos que ficaram muito atrás na pandemia, como os serviços prestados às famílias (restaurantes, turismo, hotelaria etc.).
“É um pedaço pequeno da economia, mas, como ficou muito atrasado na normalização, ainda tem alguma coisa com que contribuir ao PIB”, afirma.
Um clima menos favorável à agricultura, elevação de juros mais forte nos Estados Unidos e uma recuperação do mercado de trabalho aquém da esperada são fatores de risco negativo para o cenário da Neo, reconhece Sobral. “Acho que a dinâmica do mercado de trabalho é um navio que já partiu, tem uma melhora meio contratada da economia e da recuperação pós-pandemia. As outras coisas que são mais difíceis de prever”, diz.