VALOR ECONÔMICO, n 5412, 07/01/2022. Brasil, A3
Projeções indicam inflação mais suave, mas acima da meta
Anaïs Fernandes
Sem choques nos preços de combustíveis e energia, como os observados em 2021, no horizonte deste ano, ao menos por enquanto, a expectativa dos economistas é que a inflação desacelere bem em 2022, respondendo ainda ao ciclo de aperto monetário e à normalização das cadeias produtivas globais. Incertezas fiscais e eleitorais e alguma inércia (o quanto a inflação passada impacta a futura), no entanto, impedem que as projeções se aproximem mais do centro da meta de inflação para o ano, de 3,5%.
Pesquisa do Valor com 103 instituições financeiras e consultorias aponta um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mediano no teto de tolerância para 2022, que é de 5%. A “prévia” da inflação de dezembro de 2021, cujo número fechado será conhecido na próxima semana, acumula alta de 10,42% em 12 meses.
A inflação deve desacelerar mais fortemente a partir do segundo semestre de 2022, com o IPCA podendo encerrar 12 meses em 5,2%, estima André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). “Energia e combustíveis respondem por quase 50% da inflação do IPCA de 2021. Neste ano, não devemos ter isso nessa magnitude”, diz.
O volume de chuvas se mostrou mais consistente, e “é provável que a gente tenha uma bandeira tarifária menos onerosa em maio”, afirma Braz. “Se o verão continuar chuvoso como começou, isso pode se fortalecer até o fim da estação, impedindo que a gente pague bandeiras muito elevadas no ano.”
Neste caso, não só a conta de luz diminui, como também é uma pressão a menos para indústria e serviços. Os preços de bens industriais devem responder ainda ao aumento dos juros, já que boa parte é comprada com financiamento e parcelamento, lembra Braz.
No caso dos combustíveis, diz ele, o preço do petróleo deve ficar mais comportado, devido a eventuais impactos de novas variantes do coronavírus sobre a atividade global, mas, principalmente, pela retirada de estímulos de política monetária em diversos países.
Com promessas de safras boas - e não só para grandes commodities, como também no arroz e no feijão, por exemplo -, a oferta de alimentos deverá ser capaz de garantir preços mais baixos, afirma Braz. “Se deve fechar 2021 com uma alta de cerca de 8%, neste ano será algo em torno de 4%. Eles não vão ficar mais baratos, mas vão subir menos”, reforça.
Embora parte importante da hipótese dos economistas para a desaceleração da inflação em 2022 dependa dos preços de alimentos e energia, há uma “esfriada de curto prazo” nas expectativas, observa Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original.
“O que vemos no último mês é o milho e a soja querendo voltar para patamares das máximas recentes; o boi pressionado para cima e o petróleo Brent voltando para US$ 80/barril”, exemplifica. “É uma briga entre fundamento de longo prazo sugerindo alívio, mas o curto prazo com coisas invertendo.”
Diante desse cenário, diz ele, a previsão de IPCA para janeiro deste ano fica mais turva. “Abriu um pouco a dispersão das projeções. No último Relatório de Inflação [de dezembro de 2021], o Banco Central tinha 0,15% de IPCA para janeiro, muito por causa da perspectiva mais tranquila para essas commodities. Nós temos algo mais perto de 0,50%”, afirma.
Para 2022, o Original projeta um IPCA de 5,2%. “É uma inflação que desacelera, mas ainda está pressionada”, diz Caruso. Para ele, qualitativamente o número não é bom. “A parte de preços mais voláteis, ligados às commodities, deveria dar um alívio. Mas, nos preços mais rígidos, como de serviços, temos números mais salgados, próximos de 5,5%. Ou seja, aqueles preços que têm inércia maior continuam subindo.”
A economia brasileira ainda é muito indexada, o que traz uma persistência inflacionária grande para este ano, diz Braz. “Tem muita coisa que vai subir de preço em 2022 devido à inflação de 2021, como salários, aluguéis, impostos.” A alta, em 2022, do IPVA, imposto calculado sobre o valor dos veículos, cujos preços subiram por causa de gargalos na cadeia, é um exemplo, afirma. Sua projeção de IPCA um pouco acima do teto da meta de 2022 reflete, ainda, incertezas do ambiente fiscal, que contribuem para que o real permaneça desvalorizado.
Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest, espera um IPCA ainda maior que a mediana para 2022, de 5,6%. O número pode ser menor, a depender da bandeira tarifária de energia no fim do ano e do reajuste nas concessionárias. Manoel se mostra preocupado com sinais do governo federal sobre contas públicas, principalmente em relação à recomposição salarial de policiais federais.
“Quando uma corporação tem aumento, todas as demais, naturalmente, vão buscar e com força cada vez maior. Isso significa um risco porque, mesmo que o governo não dê esse aumento, só pelas greves contratadas, pode começar a causar gargalos na importação e exportação e você tem repiques nos preços industriais”, diz.
Alexandre de Ázara, economista-chefe do UBS BB, afirma discordar da visão de que uma desaceleração do IPCA para menos de 5% em 2022 seria forte demais para o histórico do país. “A surpresa inflacionária que houve em 2021 foi a maior da história brasileira desde que a gente estabilizou a economia, do câmbio flutuante em 1999”, afirma. Ele projeta IPCA de 4% para 2022.
Para medir essa “surpresa”, Ázara compara uma série do IPCA nos últimos 12 meses com as expectativas de um ano atrás para esses mesmos 12 meses. “Na época de inflação alta no governo Dilma, a surpresa era de 4,5-5 pontos. Agora, foi de 7,5 pontos. Foi uma surpresa enorme, e é claro que a expectativa para os 12 meses subsequentes aumenta, por causa da inércia”, afirma. Não se trata, no entanto, de um problema de credibilidade do BC, em que as expectativas de inflação teriam de ficar por um período longo e persistentemente altas, observa ele.
Em dezembro de 2021, janeiro e fevereiro deste ano, o IPCA acumulado em 12 meses ainda deve rondar 10%, segundo Ázara. A partir de março, a tendência é de queda. Se vai para 5% ou 4%, diz ele, depende do que será observado entre maio e agosto, período em que a queda nos preços de bens no mundo e no Brasil poderá começar a ser sentida. Grupos de analistas de empresas do UBS em nível global sugerem que, até abril ou maio, haverá normalização de cadeia em 90% dos setores, conta Ázara.
O que se verá, portanto, é um “cabo de guerra” entre preços de bens caindo e de serviços subindo, diz. Mas, saciada a “demanda reprimida” por atividades que envolvem maior interação social, como viajar, a expectativa também é de normalização nos preços dos serviços. “Eu posso ter inflação baixa dois anos, 2022 e 2023”, estima. O UBS BB espera IPCA de 3,3% no próximo ano, em linha com a mediana da pesquisa do Valor e já bem perto da meta (3,25%).
O cenário do UBS BB pressupõe que o mundo e o Brasil poderão experimentar algo próximo da normalidade em 2022 após o choque da pandemia, observa Ázara.