O Estado de S. Paulo, n. 48097, 24/06/2025. Economia & Negócios, p. B1

Número de pessoas atendidas pelo BPC deve mais do que dobrar até 2060

Fernanda Trisotto


 

Beneficiários passarão de 6,7 milhões para 14,1 milhões. Despesas vão crescer pelo menos 11 vezes.

O governo projeta um crescimento acentuado do Benefício de Prestação Continuada (BPC), um tipo de aposentadoria paga a idosos pobres e pessoas com deficiência, que tende a mais do que dobrar a quantidade de atendidos em 34 anos. Estimativas feitas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), anexadas ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026, mostram que o número de pessoas que recebem o BPC vai saltar de 6,7 milhões em 2026 para 14,1 milhões em 2060 – uma alta de 111%.

Com mais beneficiários, e considerando que o valor do BPC é de um salário mínimo, a projeção do custo do programa entre 2026 e 2060 é de uma elevação de 11 vezes, passando de R$ 133,4 bilhões para R$ 1,5 trilhão no período.

As projeções do MDS apontam que, em 2026, a expectativa é de que haja 2,7 milhões de idosos e 3,9 milhões de pessoas com deficiência recebendo o benefício.

Um dos fatores que preocupam o governo é o aumento da concessão de benefícios para esse público, sobretudo por via judicial. Na quarta-feira da semana passada, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse que vê com preocupação a derrubada do veto presidencial sobre o BPC, justamente pelo crescimento da despesa e como ela pressiona os demais gastos, e explicou que o governo busca uma solução para padronizar as concessões judiciais.

A tendência, mostram os dados do MDS, é de que o número de pessoas com deficiência recebendo o BPC seja superior ao de idosos até 2045. Esse quadro vira a partir de 2046, quando cada público deverá ter cerca de 5,5 milhões de beneficiários.

Como mostrou o Estadão, os gastos com BPC saltaram 11,62% de janeiro a abril deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, já descontada a inflação. Foram R$ 41,83 bilhões neste ano, ante R$ 37,48 bilhões nos mesmos meses de 2024. Desde janeiro, a rubrica atingiu um novo patamar de gasto, permanecendo na casa dos R$ 10 bilhões por mês ( mais informações em quadro na pág. B2).

ENVELHECIMENTO. Com o envelhecimento da população, a quantidade de pessoas com mais de 65 anos recebendo o BPC vai chegar a 7,9 milhões em 2060. Já as pessoas com deficiência no programa somarão 6,2 milhões, conforme as projeções do MDS.

Essas projeções de longo prazo levam em conta o cenário de concessão e cessação dos benefícios, entre 2026 e 2060, considerando o perfil demográfico e critérios que já adotados pela Previdência Social, para os valores dos benefícios. Em relação às concessões, há uma ressalva de que a incidência de vulnerabilidade social da população pode mudar a dinâmica para novos beneficiários. •

O economista e pesquisador do FGV/Ibre Daniel Duque afirma que as projeções do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) sobre o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) explicita a falta de foco do programa, principalmente na comparação com o Bolsa Família. A principal diferença está no valor do benefício – de um salário mínimo –, mas também nos requisitos para receber esses valores. Ele cita a possibilidade de receber mais de um BPC por família.

“O BPC nunca foi bem focado. Com a situação ( projetada pelo MDS), é bem pior. Não só por causa de judicialização, em que muitas vezes quem recorre, quem acessa e quem tem decisões favoráveis da Justiça está muito além de uma situação de pobreza, ou mesmo de vulnerabilidade. E, além disso, a gente tem a regra que começou a permitir mais de um BPC por família.”

Questionado, o MDS respondeu, por nota, que o crescimento recente do BPC reflete alterações legislativas e normativas, mas destacou a modernização da gestão do programa como um meio de ampliar a efetividade.

“A ampliação do acesso representa um avanço significativo na proteção social, alcançando grupos anteriormente amparados apenas por mecanismos privados”, diz a pasta, reforçando o compromisso do governo em combater a vulnerabilidade e desigualdade social.

Ministério do Planejamento prevê medidas para racionalizar pagamentos, como revisão do cadastro

“Embora o impacto do BPC na redução da pobreza entre idosos e pessoas com deficiência seja expressivo, destaca-se também seu papel na diminuição das desigualdades econômicas. Diferentemente de outros programas assistenciais, o BPC contribui de forma mais eficaz para a superação da pobreza, por estar indexado ao salário mínimo – característica que o torna uma das transferências de renda mais progressivas do governo”, afirma o MDS.

PLANEJAMENTO. O governo vem promovendo medidas visando à contenção do avanço dessa despesa e incluiu o BPC no anexo de revisão de gastos, também encaminhado com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO). A expectativa é de que essas ações, que miram sobretudo os cadastros, gerem R$ 15,4 bilhões de economia entre 2025 e 2029.

O Ministério do Planejamento afirma que o BPC é política pública essencial para a proteção social, mas que acompanha a elevação dos gastos. As medidas em curso incluem a revisão bienal para avaliação das condições que originaram o benefício, um processo que não era feito de forma sistemática.

A pasta reconhece que o crescimento recente se concentra nos beneficiários com deficiência que buscam o BPC na Justiça e também reflete a redução da pobreza e aumento da longevidade, e que busca aprofundar as avaliações para compreender o que influencia o comportamento do programa.

“Dentre eles, destacam-se os efeitos da informalidade no mercado de trabalho, que pode aumentar a demanda por benefícios assistenciais, e os impactos de reformas previdenciárias e trabalhistas, especialmente a Emenda Constitucional n.º 103/2019 (Reforma da Previdência), que podem ter alterado os incentivos e o perfil dos requerentes ao BPC. Esses estudos visam subsidiar a formulação de políticas públicas mais eficientes e sustentáveis”, diz a pasta em nota.