VALOR ECONÔMICO, n 5412, 07/01/2022. Política, A6

Refis cria embate entre Bolsonaro e Economia

Daniel Rittner e Fabio Murakawa

 

Em mais um embate com a equipe econômica, o presidente Jair Bolsonaro sinalizou ontem pretendia sancionar o projeto de lei que estabelece um novo Refis para as pequenas empresas que tiveram queda no faturamento durante a pandemia.

Aparentemente sem saber que a conversa estava sendo transmitida pelas redes sociais, Bolsonaro reclamou da recomendação que recebera para vetar integralmente o projeto. A transmissão ocorreu pouco antes do ínicio de sua “live” semanal nas redes sociais.

“Os caras queriam que eu vetasse o Simples Nacional”, disse o presidente a um auxiliar que não aparecia no vídeo.

Uma graduada fonte do Palácio do Planalto confirmou ao Valor que Bolsonaro pediu ao secretário especial da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, encontrasse uma “solução” para o problema. “Solução” seria indicar uma fonte de receita para compensar a perda de arrecadação com o Refis.

Aprovada em dezembro pelo Congresso, a proposta prevê a reabertura do programa que possibilita a renegociação de até R$ 50 bilhões em dívidas com o Fisco. Mas, segundo fontes ouvidas pelo Valor, o Ministério da Economia recomendou o veto por falta de compensação da renúncia tributária.

o longo do dia, fontes do Executivo e do Congresso davam como certo o veto, mas, depois da queixa pública, a expectativa era de uma possível reviravolta. Uma decisão não havia sido tomada até o fechamento desta edição.

O Programa de Reparcelamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional (Relp) foi aprovado pela Câmara no dia 16 de dezembro, em votação praticamente unânime. A proposta é de autoria do senador Jorginho Mello (PL-SC), aliado e correligionário do presidente.

Pegas de surpresa, lideranças parlamentares já falavam nos bastidores em articular uma derrubada de eventual veto, na volta do recesso legislativo. Um dos motivos para o estranhamento de deputados e senadores é que a equipe econômica não havia feito ressalvas ao conteúdo principal do projeto durante a reta final de tramitação.

O Brasil tem hoje cerca de 16 milhões de microempreendedores individuais e empresas de pequeno ou médio porte. Os potenciais beneficiados pelo novo Refis, conforme o texto aprovado, poderiam renegociar dívidas tributárias com descontos de até 90% sobre multas e juros e até 100% sobre encargos legais.

Os débitos passíveis de reescalonamento seriam os apurados no Simples Nacional, vencidos até a competência do mês imediatamente anterior à entrada em vigência da lei, e os pagamentos seriam feitos em até 180 meses após o pagamento da entrada.

O valor da entrada (em qualquer modalidade, a ser paga em oito parcelas) seria inversamente proporcional à redução de faturamento da empresa. Depois, no saldo remanescente, haveria redução dos acréscimos legais proporcionalmente à queda do faturamento. No cálculo do valor das 36 primeiras das 180 prestações, o projeto considerava um percentual pequena da dívida a ser amortizada, em uma tentativa de aliviar as parcelas iniciais.

O Congresso reagiu mal à tendência de veto integral pelo presidente. “Essa possibilidade, caso confirmada, representa um terrível retrocesso para a recuperação econômica e impossibilita que empreendedores de todo país ganhem fôlego para atravessar 2022”, disse o deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), que foi relator do projeto na Câmara e coordena a Frente Parlamentar do Empreendendorismo (FPE), responsável por impulsionar a tramitação do Refis do Simples.

“Em um momento de alta no desemprego, uma inflação que diminui a quantidade de comida na mesa dos brasileiros, manter as empresas no sufoco só agravaria esse quadro. Os microempresários não têm as mesmas condições das grandes empresas, e precisam de ajuda para reverter quase dois anos de prejuízos em suas atividades”, afirmou Bertaiolli.