VALOR ECONÔMICO, n 5412, 07/01/2022. Opinião, A8

O turismo de natureza e a retomada socioeconômica

Fernando Pieroni e Pedro de Souza

 

A prolongada crise e a necessidade de uma vigorosa retomada do crescimento do Brasil reforçam a importância de se pensar a contribuição que cada setor pode dar ao desenvolvimento socioeconômico do país. E, nesse sentido, uma realidade que não pode mais ser negligenciada é o enorme potencial do patrimônio natural brasileiro - inclusive para o turismo. Uma vantagem comparativa única que possuímos e que deve ser aproveitada dentro de uma estratégia sustentável e integrada.

A participação do turismo no Produto Interno Bruto de alguns países, como Croácia e Tailândia, chega a cerca de 20%. Mesmo em economias mais diversas e complexas, como China, Reino Unido e Argentina, esse percentual é de 11%, 10% e 9%, respectivamente. Por aqui, não passamos de 7,7%. Se considerarmos especificamente a participação do turismo de natureza, a contribuição é ainda menor: 0,4%, apesar de o Brasil ser um país internacionalmente reconhecido por seu patrimônio ambiental, com enorme capacidade nesse quesito.

É em nossos parques, unidades de conservação criadas com o propósito de conservar a biodiversidade e aproximar as pessoas da natureza, que nossas belezas naturais melhor materializam essa oportunidade subaproveitada: considerando os 297 parques naturais estaduais e federais brasileiros, houve pouco mais de 13 milhões de visitas em 2019, sendo que 75% desse total se concentraram em apenas oito deles. Numa base de comparação, o total de visitas registradas em todas as nossas unidades de conservação é aproximadamente o mesmo que recebe um único parque nacional americano, caso do Great Smoky Mountains National Park.

Em um país continental como o Brasil, existe uma diversidade singular de experiências turísticas a serem descobertas por brasileiros e estrangeiros, seja dentro dos parques ou em seu entorno. Isso envolve atividades como a observação de fauna, esportes de aventura ou, simplesmente, o relaxamento longe da vida urbana, o que abre um leque de oportunidades também para o turismo de base comunitária nas proximidades. Os destinos de natureza podem ser integrados, ainda, a outros atrativos históricos ou culturais, criando roteiros únicos.

É o que indica pesquisa do Instituto Semeia, que mapeou gargalos e alavancas ao desenvolvimento do turismo de natureza no Brasil. O estudo revela que, se superados os principais entraves setoriais, o turismo nos parques brasileiros, considerando os efeitos diretos e seus reflexos sobre as diversas cadeias produtivas, em especial aqueles serviços oferecidos localmente, tem potencial para gerar até 1 milhão de empregos e R$ 44 bilhões de impacto no PIB, praticamente quadruplicando a participação dessas unidades de conservação na economia nacional.

São projeções que levam em conta o potencial de visitação, tanto de turistas locais como internacionais, que poderia chegar a 56 milhões de visitantes ao ano - cenário em que o Brasil teria como resultado 35 milhões de viagens domésticas adicionais, se comparado aos resultados de 2019.

Esse aumento no número de visitantes leva a um incremento dos valores dispendidos no consumo de serviços e produtos turísticos, como hospedagem, alimentação ou passeios por exemplo, estimados em cerca de R$ 209 por dia por visitante. Mas os impactos na economia local não param por aí, uma vez que o gasto dos turistas movimenta toda uma cadeia produtiva, de fornecedores a prestadores de serviços, possuindo um enorme efeito multiplicador econômico. Estima-se que cada R$ 1 gasto pelos turistas é multiplicado em até R$ 3,80 na economia como um todo. Existem, inclusive, outros estudos que apontam que esse efeito pode ser ainda maior, chegando a um efeito em que cada real dispendido adiciona R$ 7 ao PIB nacional, o que mostra quão conservadoras são as estimativas aqui apresentadas.

E neste ponto, cabe ressaltar uma peculiaridade do setor. Diferentes de outras atividades muitas vezes concentradas em polos especializados, por estarem distribuídos por todo o território nacional, nossos parques podem funcionar como vetores de desenvolvimento até em regiões mais remotas - isso ao mesmo tempo em que atuam na proteção da natureza, num ciclo virtuoso em que o turismo em ambientes naturais conservados fomenta a consciência ambiental de visitantes e moradores do entorno.

Essa é, sem dúvida, uma oportunidade extraordinária, mas que exige amparo de políticas públicas estruturantes e duradouras que viabilizem todo o seu potencial de forma sustentável. Por isso, o setor precisa se mobilizar para aproveitar o ensejo da retomada das atividades turísticas e lançar as bases de um processo de desenvolvimento concreto e consistente.

Hoje já vemos, por exemplo, diversas iniciativas dos governos, tanto nos níveis federal e estadual, quanto nos municípios, para a viabilização de parcerias entre o poder público e a iniciativa privada voltadas à melhoria do ordenamento turístico, além da oferta de mais e melhores serviços aos visitantes. Há também todo um esforço de entidades de fomento para, além de apoiar os programas de concessões e parcerias dos governos, promover o engajamento de parceiros privados, sejam entidades empresariais ou organizações da sociedade civil, para o desenvolvimento do setor, além da criação de novos produtos especificamente voltados ao financiamento de concessionárias e operadores turísticos. Todas iniciativas orientadas à conservação do meio ambiente, fomento ao turismo sustentável, geração de renda e desenvolvimento regional.

Mas podemos e devemos ir além - com políticas públicas coordenadas entre os mais diversos atores, com uma visão integrada que abarque além das parcerias, o BNDES e as pastas de Meio Ambiente e Turismo, outras áreas de influência sobre o ecossistema turístico, passando por logística e transportes, empreendedorismo local e desenvolvimento regional, para mencionar algumas. Nesse caminho, vale destacar, ainda, a importância da mobilização do setor privado, considerando empresas de diversos tamanhos e segmentos, além do terceiro setor e da sociedade como um todo.

Afinal, temos excelente janela de oportunidade e devemos todos estar envolvidos na construção dessa ponte para transformar nosso potencial natural em um vetor estratégico do desenvolvimento sustentável do país.