O GLOBO, n 32.335, 16/02/2022. Política, p. 5
PF confronta Moro após críticas ao governo
Eduardo Gonçalves
Presidenciável atacou atual gestão da Polícia Federal, que, em reação e em tom pouco usual, o acusou de ‘mentir’
Depois de deixar o governo acusando o presidente Jair Bolsonaro de interferência na Polícia Federal e renovar na pré-campanha as críticas ao suposto aparelhamento da corporação, o pré-candidato do Podemos ao Palácio do Planalto, Sergio Moro, entrou ontem em choque com a PF. A direção da corporação emitiu uma nota oficial para rebater declarações recentes do ex-ministro da Justiça.
Em entrevista à rádio “Jovem Pan”, Moro criticou a atual gestão da Polícia Federal, dizendo que “hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por grande corrupção”. Em nota assinada como “a Polícia Federal”, o órgão acusou Moro de “mentir” e se defendeu, afirmando que efetuou “mais de mil prisões apenas por crimes de corrupção nos últimos três anos”.
O tom da nota é pouco usual, uma vez que órgãos públicos não costumam se envolver no ringue da política eleitoral e responder a pré-candidatos, especialmente a Polícia Federal, que atualmente está investigando a suspeita de interferência política na corporação por parte de Bolsonaro, em inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em abril de 2020, Moro deixou o comando do Ministério da Justiça, ao qual está vinculada a PF, alegando que Bolsonaro pressionava pela substituição do delegado-geral da corporação e exigia acesso a relatórios sigilosos.
No texto divulgado ontem, a PF ainda afirma que o ex-juiz da Operação Lava-Jato “faz ilações” ao citar trocas feitas nas superintendências pelo atual delegado-geral, Paulo Maiurino, como exemplo de supostas retaliações do governo. Maiurino foi nomeado pelo atual ministro da Justiça, Anderson Torres.
“O ex-ministro não aponta qual fato ou crime tenha conhecimento e que a PF estaria se omitindo a investigar. Tampouco qual inquérito policial em andamento tenha sido alvo de ingerência política ou da administração”, diz a nota da corporação, que ressaltou que as operações tocadas pelo órgão “vão muito além da repressão aos crimes de corrupção”.
Em outro trecho, a nota acusa Moro de “desconhecer” a corporação mesmo “quando teve chance” e que “o papel da corporação não é produzir espetáculos (...), mas conduzir investigações desconectadas de interesses político-partidários”.
Em seu perfil no Twitter, Moro reagiu. “Eu respeito muito a PF, os delegados, agentes, escrivães, peritos, papiloscopistas e servidores. Este momento vai passar. Vocês vão voltar a ser valorizados”.
No ano passado, a direção da PF fez pelo menos oito trocas em postos-chaves da corporação, uma média de uma por mês desde a posse do diretor-geral ocorrida em abril. Internamente, alguns delegados substituídos se disseram surpresos com a exonerações.
Em entrevista ao GLOBO no início do mês, o diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF, Luís Flávio Zampronha, afirmou que as críticas vinham de “colegas insatisfeitos com a perda do cargo de chefia”, que “utilizam investigações sensíveis para tentar se manter no posto”.
Um levantamento feito pela agência de dados “Fiquem Sabendo”, com base em informações obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI), revelou que houve queda de 44% no número de prisões por corrupção feitas pela PF em 2021 em comparação com 2020. As informações são da Coordenação de Repressão à Corrupção da PF. A direção da corporação, por outro lado, diz que a redução seria consequência de uma mudança no entendimento dos tribunais de Justiça .