O Estado de S. Paulo, n. 48098, 25/06/2025.  Internacional, p. A14

Apoio ao Irã reflete antagonismo de Lula com EUA, dizem analistas

Carolina Marins



O Itamaraty condenou os ataques de Israel ao Irã, adotando um tom similar ao da Rússia, um dos principais aliados de Teerã. Ainda que resgate um posicionamento histórico do Brasil e a ofensiva não esteja respaldada pelo direito internacional, a nota foi considerada forte e distante de outros países ocidentais, segundo analistas ouvidos pelo Estadão.

“Há gradações na maneira de você se expressar. O Brasil se situa entre os países que tiveram uma linguagem mais forte, semelhante a Rússia e China”, disse o ex-ministro e ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Ricupero. “A posição brasileira revela um pouco a ideologia da esquerda, que é antagônica aos EUA.”

A linguagem da nota se insere em um contexto em que a diplomacia do governo Lula tenta se aproximar parcialmente do eixo Moscou-Pequim e fortalecer os países do Sul Global, geralmente mais críticos a americanos e israelenses.

Em paralelo, desde o início da guerra contra o Hamas em Gaza, após os atentados de 7 de outubro de 2023, Lula tem tecido críticas aos israelenses, acusando-os de genocídio contra os palestinos. Aliados avaliam que o governo não poderia deixar de se posicionar contra ataques unilaterais.

DEFESA. Diplomatas envolvidos nas discussões para elaborar o comunicado sustentam que não existe amparo nas regras da ONU para que um ataque “preventivo” seja enquadrado como “autodefesa”, como Israel justifica. Além disso, segundo eles, ataques a instalações nucleares são “inaceitáveis” e podem provocar uma tragédia.

Para os diplomatas brasileiros, a nota retratou fatos, em que pesem a repercussão negativa e as críticas. Para Karina Calandrin, colaboradora do Instituto Brasil-Israel, a escolha de palavras demonstra uma inclinação maior de Lula a condenar as ações israelenses. “O Brasil poderia fazer uma nota condenando as hostilidades e falando de paz, como sempre fez, e não teria um impacto negativo na relação com o Irã”, disse.

Segundo o professor Gunther Rudzit, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a nota demonstra a parcialidade do Itamaraty. “Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, desrespeitando o direito internacional e a Carta da ONU, atacando a usina nuclear de Zaporizhzia, não teve nenhuma nota ou nada parecido. Fica explícito que são dois pesos, duas medidas”, afirmou.

TRADIÇÃO. A crítica extrapola o governo Lula, já que na época da invasão, em 2022, o Itamaraty estava a cargo de Jair Bolsonaro. Na ocasião, o governo não reagiu à agressão russa. No início do mandato, Lula também evitou críticas a Vladimir Putin e chegou a dizer que não o prenderia, caso ele viesse ao Brasil para a cúpula do G-20 – o presidente russo tem um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra.

Rudzit lembra que só existem dois contextos em que um

“O Brasil se situa entre os países que tiveram uma linguagem mais forte, semelhante a Rússia e China. A posição brasileira revela um pouco a ideologia da esquerda, que é antagônica aos EUA”

Rubens Ricupero

Ex-embaixador nos EUA

país pode utilizar a força militar contra outro, segundo a Carta da ONU: a autodefesa e após resolução do Conselho de Segurança.

Para Guilherme Casarões, da FGV, o tom usado pelo Itamaraty é consistente com o que o Brasil vem defendendo historicamente, que a melhor forma de solução de conflitos é a ONU. “Isso tem perdido força nas últimas décadas, o que preocupa parte da política externa brasileira.”