O Estado de S. Paulo, n. 48098, 25/06/2025. Economia & Negócios, p. B1
BC mostra em ata que, sem ajuste, juros ficam altos até eleições
Alvaro Gribel
Caroline Aragaki
Gustavo Nicoletta
Copom alerta para risco de novo ciclo de elevação da Selic. Taxa básica está em 15%.
Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT esperam cortes de juros para alavancar a economia com a proximidade das eleições de 2026, o recado dado ontem pelo Banco Central vai exatamente na direção contrária. Em uma demonstração de independência em relação ao Poder Executivo, o BC comandado por Gabriel Galípolo reafirmou na ata da última reunião do Copom que a Selic permanecerá em 15% por um período “bastante prolongado” e que “não hesitará” em subir mais os juros se isso for necessário.
BC pediu, mais uma vez, que as políticas fiscal e monetária sejam ‘harmoniosas’
A decisão ignora as pressões políticas (ainda muito menores do que as sofridas pelo antecessor de Galípolo, Roberto Campos Neto), e segue fundamentos técnicos. O BC enxerga um cenário desafiador para a inflação em “diversas dimensões”. Com esse diagnóstico, seria impensável falar em cortes de juros, como desejam muitos integrantes do Palácio do Planalto e da equipe econômica.
“O cenário segue sendo marcado por expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho”, diz o Banco Central, na ata da reunião da semana passada do Copom, que também deu bastante ênfase às incertezas externas, diante das tarifas de Donald Trump e do conflito que se agrava no Oriente Médio.
O BC pediu, mais uma vez, que as políticas fiscal e monetária sejam “harmoniosas”, o que significa que, na visão dos diretores do Banco Central, o controle de gastos pelo governo ainda é insuficiente. O entendimento é de que a política fiscal dá “estímulo à demanda agregada” no curto prazo, ou seja, estimula o crescimento, e aumenta os prêmios de risco (leia-se, dólar e juros) pelo avanço das incertezas, no médio prazo.
Apesar disso, os integrantes do Copom viram com bons olhos as discussões sobre cortes tributários e os debates sobre novas reduções de gastos primários, após as idas e vindas empreendidas pelo Ministério da Fazenda, como o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
“O debate mais recente, com ênfase na dimensão estrutural do orçamento fiscal e na redução ao longo do tempo de gastos tributários, tem potencial de afetar a percepção sobre a sustentabilidade da dívida e de ter impactos sobre o prêmio da curva de juros”, diz o BC.
DINÂMICA ELEITORAL. Os cenários projetados pelo mercado, após a decisão da última quartafeira, agora sugerem que a Selic ficará parada em 15% – maior patamar desde julho de 2006 – até o primeiro trimestre de 2026. Esse é o tempo que o governo federal terá para dar alguma solução para a incerteza fiscal, e ajudar no controle das expectativas.
Se essa agenda falhar, ainda que o BC comece a cortar juros no início de 2026, os seus efeitos sobre a economia real e a dinâmica eleitoral de outubro tendem a ser praticamente nulos.
Fernanda Guardado, economista-chefe para América Latina no BNP Paribas, concorda que a ata indica que o BC quer um pouco mais de tempo para avaliar se a Selic a 15% será suficiente para a inflação começar a convergir à meta. “Possivelmente no segundo trimestre de 2026, o BC poderá ter maior confiança de como o processo de desinflação está se desenrolando, e isso pode levar a um ciclo de corte de juros’, avalia.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, também vê o BC cauteloso para iniciar esse movimento neste momento: “Nesse cenário de política monetária significativamente restritiva, a desaceleração do crédito e da atividade irá se intensificar no segundo semestre, enquanto o câmbio favorável pode manter em baixa a inflação de bens industriais e alimentos. Portanto, entendemos que as discussões sobre a redução no nível de restrição monetária podem se iniciar no final de 2025”, diz.
Já os economista do Bradesco veem uma “provável redução” da Selic para 14,5% ainda no fim deste ano ainda.