Correio Braziliense, n. 22696, 11/05/2025. Política, p. 2
INSS: Lula diz não ter pressa na investigação
Vanilson Oliveira
O pouco mais de um ano para as eleições presidenciais, o governo federal vem ao longo dos últimos meses acumulando problemas cada vez mais difíceis de serem contornados. Entre eles, destacam-se a polêmica do Pix, inflação, queda na aprovação popular do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, agora, a maior fraude da história recente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que desviou mais de R$ 6,3 bilhões em descontos ilegais sobre aposentadorias e pensionistas. Sobre o caso, o petista afirmou, ontem, “não ter pressa” na condução das investigações. A declaração do líder brasileiro ocorreu durante coletiva de imprensa, em Moscou, na Rússia.
“O que eu quero é que a gente consiga apurar para apresentar ao povo brasileiro a verdade e somente a verdade, porque eu não estou atrás do show de pirotecnia, eu quero apurar a verdade, quem foi que assaltou o bolso dos aposentados e pensionistas”, justificou o presidente.
O escândalo no INSS, que começou a ser desvendado pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), já provocou desgaste na imagem do governo, reações no Congresso e mobilização estratégica da oposição nas redes sociais. Desde que vieram à tona os primeiros detalhes do esquema, o governo Lula foi alvo de críticas justamente pela lentidão na resposta institucional, especialmente após manter por semanas no cargo o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e resistir a mudanças na cúpula do Ministério da Previdência, chefiado por Carlos Lupi (PDT). A viagem do presidente à Rússia, em meio ao agravamento da crise, foi lida por aliados e adversários como um gesto de afastamento simbólico num momento em que o Planalto era cobrado por ações concretas.
Em Moscou, Lula informou ter recebido a informação do desmantelamento dos grupos que fraudavam o INSS pela CGU e pela Polícia Federal. Ele elogiou o trabalho de investigação, destacando que foi feito “com muita inteligência”, e culpou a gestão Bolsonaro pelos escândalos, dizendo que seu governo vai “a fundo para saber quem é quem nesse jogo”.
O presidente mencionou, ainda, que, no meio das entidades envolvidas, há algumas sérias, mas também outras que “foram criadas para cometer crime”. O petista afirmou, porém, querer evitar comentar profundamente sobre o assunto, pois o caso está sob a responsabilidade da PF, da Advocacia-Geral da União (AGU), da CGU e da Justiça.
De um lado, o Palácio do Planalto reforça que a maior parte das entidades envolvidas foi conveniada ainda na gestão Bolsonaro e que a atual administração determinou a devolução automática dos valores descontados indevidamente. De outro, especialistas em comunicação política e parlamentares de oposição apontam que o governo perdeu o “timing da narrativa”, subestimou o potencial destrutivo do caso e, com isso, abriu espaço para que o episódio seja explorado como combustível eleitoral pela direita e pelo Centrão em 2026.
O professor João Ricardo Matta, especialista em marketing e comunicação política da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que o escândalo das fraudes no INSS pode consolidar-se como o grande eixo de desgaste político do governo Lula na corrida eleitoral. Segundo Matta, a oposição já iniciou uma estratégia de desgaste simbólico, comparando o caso atual ao mensalão e usando as redes sociais como principal arena de mobilização. “O deputado Nikolas Ferreira postou um vídeo nas redes e, em menos de 24 horas, já tinha 100 milhões de visualizações. Isso mostra a força da direita em ocupar espaço no debate público digital. Eles vão cozinhar esse tema, não vão deixar esfriar”, disse o professor, que opina que o governo cometeu erros cruciais ao subestimar o tamanho da crise. “Eu acho que esse vai ser o mensalão do PT do ano que vem. Estão batendo forte, e o governo demorou muito para reagir.” O professor também aponta o desgaste gerado pela demora em afastar o ministro Carlos Lupi e critica a estratégia do presidente de viajar para o exterior no auge da crise. “Lula viajou para a Rússia tentando esfriar o assunto sem ele aqui, mas não funcionou. Ele está de mãos atadas. Não consegue bater no PDT, não quis exonerar o Lupi para não romper com a aliança. Mas, politicamente, pode vir a pagar muito caro”, afirmou ele, ressaltando que “a oposição já conseguiu abafar a responsabilidade do governo Bolsonaro”. Ainda segundo Matta, “o governo Lula perdeu o momento certo de dizer que essa bomba não era só dele. Houve cinco notificações da AGU ao INSS. Os alertas estavam lá. Não tem como se esquivar agora”.
Para a especialista em reputação e crise institucional, Natália Valle, a gestão petista perdeu o controle narrativo nos momentos mais críticos do escândalo do INSS. A demora em comunicar medidas concretas de reparação, aliada à ausência de um discurso centralizado e ativo, contribuiu para ampliar o desgaste público e abrir espaço para a oposição ocupar a pauta. “O governo Lula perdeu o timing e a narrativa nesse escândalo do INSS. A base governista tentou jogar a bomba no colo do governo anterior, mas não pegou tração”, avaliou.
Natália frisa, ainda, que a lentidão da comunicação oficial foi um dos maiores erros na condução da crise. Segundo ela, a ausência de uma resposta firme e tempestiva abre espaço para interpretações mais danosas à imagem da gestão federal. “A comunicação do governo nesse quesito foi passiva, foi lenta. Não tem como ter controle de narrativa dessa forma. Na comunicação de crise, a gente precisa agir rápido, dar respostas efetivas e transparentes. O governo demorou muito para dizer como o dinheiro ia voltar para o bolso dos aposentados, por exemplo. Faltou dar mais satisfações para quem de fato foi vítima.
Só agora isso começou a ser feito. Só agora que o governo começa anunciar como o aposentado faz para descobrir se foi lesado.”
Crise x eleições
Na opinião do cientista político Ernani Carvalho, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a crise envolvendo os descontos indevidos no INSS ultrapassa os limites de uma denúncia administrativa e entra no coração simbólico e político do eleitorado do presidente Lula. O escândalo, segundo ele, atingiu um segmento que historicamente dá sustentação ao Partido dos Trabalhadores (PT), especialmente no Nordeste e entre a população idosa de baixa renda. “Essa crise junto ao INSS pega de cheio um eleitorado que está bem vinculado ao Partido dos Trabalhadores. Pesquisas como a da Quaest, da Atlas e da Pesp mostram que o segmento de pessoas acima de 60 anos tende a se alinhar com o atual governo. Mas, com essas crises, uma parte significativa desse grupo está virando as costas”, avaliou.
Carvalho destaca também que o escândalo se insere em um quadro mais amplo de dificuldades acumuladas pela atual gestão, como os episódios envolvendo o Pix, a inflação e a instabilidade ministerial, que já vinham gerando ruídos com a base social do presidente. “A polêmica do Pix, por exemplo, causou pânico entre trabalhadores informais — justamente o perfil que mais vota no PT aqui no Nordeste. A inflação também atinge fortemente os mais pobres. E agora vem esse escândalo, envolvendo aposentados e pensionistas, que são um grupo vulnerável e, ao mesmo tempo, central no discurso social do governo”, alertou o especialista.
Para o cientista político, mesmo que o governo encontre soluções administrativas, o dano está feito. “Essa crise vai se arrastar no campo jurídico, com ações e investigações. E como a eleição já é no ano que vem, dificilmente a cicatriz vai desaparecer até lá”, disse ele, ressaltando que a população não vai acompanhar os detalhes técnicos ou saber de onde exatamente veio a fraude. “Vai prevalecer quem conseguir contar a melhor história: governo ou oposição. E até agora, quem está conseguindo fazer isso é a oposição.”
Frase
“O governo Lula perdeu o momento certo de dizer que essa bomba não era só dele. Houve cinco notificações da AGU ao INSS. Os alertas estavam lá. Não tem como se esquivar agora”
João Ricardo Matta, especialista em marketing e comunicação política da FGV