VALOR ECONÔMICO, n 5413, 08, 09 e 10 de janeiro de 2022. Opinião, A11
Bancos, os novos vilões do carbono
Pilita Clark
Enquanto as empresas se preparavam em 2021 para a COP26 (sigla para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), em Glasgow, um dos maiores bancos da Europa divulgou seus planos atualizados sobre como pretendia fazer sua parte no combate às mudanças climáticas.
O grupo suíço UBS informou que havia se tornado membro fundador da nova Aliança Bancária Carbono Zero (NZBA, na sigla em inglês), um clube congregado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e formado principalmente por bancos ocidentais comprometidos a reduzir as emissões de carbono em seus portfólios de empréstimos. “Publicaremos um plano abrangente de ações climáticas posteriormente neste ano, definindo metas baseadas na ciência, incluindo marcos intermediários”, destacou o UBS. Era o mês de abril. O fim do ano chegou e não houve nenhum novo plano de ação. O banco informa que agora a meta é apresentá-lo em março.
Estima-se que firmas de private equity tenham investido mais de US$ 1 trilhão no setor de energia desde 2010, em especial, nos combustíveis fósseis, o que sinaliza para onde se dirige agora a batalha pela neutralidade de carbono na concessão de financiamentos.
Uma explicação para o atraso é que o programa climático precisava estar em sintonia com o plano geral estratégico do UBS, cujo novo executivo-chefe Ralph Hamers deverá divulgar em fevereiro. O atraso, contudo, também reflete um dilema de ordem ainda maior no setor bancário: os bancos estão diante de um imenso volume de trabalho, enquanto lidam com promessas de neutralidade de carbono que deverão fazer de 2022 um ano em que financiar combustíveis fósseis será uma atividade mais exposta aos holofotes - e problemática - do que nunca.
“É uma tarefa enorme”, disse Jörg Eigendorf, chefe de comunicações e sustentabilidade do Deutsche Bank. Para fazer parte da NZBA, o banco teve que calcular e fazer modelos matemáticos da pegada de carbono de uma carteira de empréstimos de bilhões de euros, algo que será divulgado até o fim de 2022. “Isso resultará em muito mais transparência e holofotes de reguladores, políticos, investidores e do público em geral”, diz Eigendorf.
Você pode até achar que isso não será muito importante, dada a tendência rumo a uma maior concessão de financiamentos “verdes”. Em 2021, pela primeira vez na história, as fontes de energia renováveis e outros empreendimentos favoráveis ao clima receberam mais empréstimos e dinheiro de títulos emitidos por bancos do que o setor de combustíveis fósseis, e há mais financiamentos por sair do forno. Deutsche Bank, JPMorgan Chase e HSBC estão entre os mais de dez bancos cujo compromisso anual de financiamento verde atual supera o de 2020 aos combustíveis fósseis, segundo a Autonomous, uma firma de análises financeiras.
As definições de financiamento verde podem ser amplas, mas o rumo de viagem segue um claro direcionamento ambiental - a não ser por um ponto. Os bancos podem estar abrindo as torneiras para o financiamento verde, mas estão longe de fechá-las para os combustíveis fósseis. Os 60 maiores bancos do setor privado do mundo investiram mais de US$ 3,8 trilhões nos setores de petróleo, gás e carvão desde o Acordo de Paris sobre o clima, de 2015, segundo pesquisa de organizações não governamentais. E uma boa parte foi para empresas de petróleo e gás com grandes planos de expansão.
Sem sinais de mudanças rápidas no horizonte, os bancos enfrentam uma dificuldade dupla, ao ficarem com seu financiamento fóssil exposto a mais fiscalização - e a mais acusações de má conduta ambiental - e ao não mostrarem como fariam para pôr fim a isso.
Na teoria, o problema deveria ser resolvido por um grupo como o NBZA, cujos 98 membros detêm mais de 40% dos ativos bancários do mundo. Eles são obrigados a apresentar planos para zerar as emissões de carbono em termos líquidos. O problema é a matemática implacável.
Os cientistas estabeleceram que limitar o aquecimento mundial a 1,5 °C traria uma segurança muito maior ao mundo. Para isso, as emissões de carbono produzidas pelo homem, boa parte das quais vêm da queima de petróleo, gás e carvão, precisam cair quase pela metade até 2030 e para um resultado líquido zero por volta de 2050. Para não alongar muito: o mundo precisa se livrar rapidamente dos combustíveis fósseis, hoje 80% da matriz energética mundial, e descartar os planos para continuar explorando-os.
Os bancos reduziram o financiamento ao carvão ao longo dos últimos tempos. São bem poucos, entretanto, os membros da aliança de carbono zero que divulgaram planos detalhados mostrando como e quando deixariam de financiar atividades de petróleo e gás - uma saída que, pelas regras, teriam vários anos para concretizar.
Uma exceção é o francês La Banque Postale. Em outubro, o banco informou que sairia completamente das indústrias de petróleo e gás até 2030, o mesmo prazo que estipulou para deixar de financiar a exploração de carvão. Goldman Sachs, JPMorgan Chase e outros bancos da aliança que começaram a publicar planos mais detalhados de neutralidade de carbono ainda não fizeram o mesmo.
É possível que eles sejam mais atuantes no apoio a essas indústrias e, portanto, tenham mais negócios a perder do que o banco francês, mas alguns analistas acham que um crescimento na frente verde poderia compensar o que perdessem ao deixar de financiar projetos de grande emissão de carbono. A crescente demanda de um mercado verde em expansão por empréstimos e outros serviços bancários pode render US$ 2,3 trilhões líquidos extras por ano durante décadas, segundo o Autonomous.
De forma reservada, alguns executivos de banco reconhecem o risco de se aferrar a empresas empenhadas em continuar gerando muitas emissões, mas pouca receita bancária, especialmente se os bancos rivais começarem fincar bandeiras em terras mais verdes e lucrativas. Outros dizem que é arriscado assumir a dianteira nessa frente, dada a ausência de mecanismos que imponham um custo extra significativo aos grandes emissores de carbono ou outras políticas governamentais que nivelem o campo de jogo.
E qual o sentido de bancos de capital aberto abandonarem os combustíveis fósseis, se investidores de capital fechado, sujeitos a menos holofotes, ocuparem seu lugar? Estima-se que firmas de private equity tenham investido mais de US$ 1 trilhão no setor de energia desde 2010, em especial, nos combustíveis fósseis, o que sinaliza para onde se dirige agora a batalha pela neutralidade de carbono na concessão de financiamentos.
“Os bancos de capital aberto não são o fim do problema”, diz Mike Hugman, diretor de finanças climáticas da organização filantrópica The Children’s Investment Fund Foundation. As pessoas que investem seu dinheiro em firmas de private equity devem exigir que todas as empresas financiadas por esses fundos tenham planos importantes de ação ambiental, diz Hugman. Há não muito tempo, tal ideia teria soado fantasiosa. Mas os tempos estão mudando, e rápido. Basta perguntar a qualquer banco.