VALOR ECONÔMICO, n 5413, 08, 09 e 10 de janeiro de 2022. Empresas, B5

A difícil arte de fazer previsões na pandemia

Marli Olmos

 

As projeções que os dirigentes da indústria automobilística fazem, no início de cada ano, costumam se basear na conjuntura econômica. Mas a pandemia mudou critérios. Como prever quantos carros serão produzidos em fábricas agora ameaçadas pelo surto de uma nova variante do coronavírus? Uma complexa análise, que junta cálculos de variáveis econômicas, como taxa de juros e câmbio, com dados de saúde, como vacinação, e até impactos de desastres naturais na cadeia de suprimentos, levou a Anfavea, que representa as montadoras, a chegar à conclusão de um crescimento de 9,4% na produção de veículos e de 8,5% no mercado interno em 2022.

E até por serem tantas variáveis é fácil errar. Em 2021, a entidade teve de rever projeções no meio do ano por ter errado na previsão do tamanho do estrago que a escassez mundial de semicondutores provocaria nas linhas brasileiras. Esse problema ainda não terminou e entrou na conta deste ano.

No novo contexto mundial, a subjetividade tomou conta do que em outros tempos a estatística resolveria. A ponto de um livro que compara as consequências da pandemia com as das guerras mundiais (Dez lições para o mundo pós-pandemia, de Fareed Zakaria) ter se tornado leitura de cabeceira do economista Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.

Além da pandemia, o dirigente se preocupa com os desastres naturais. No ano passado, uma nevasca paralisou uma fábrica de semicondutores no Texas. O mesmo aconteceu devido a um período de seca em Taiwan, pois a fabricação dos chips exige água de qualidade. Na Malásia, uma fábrica inteira parou devido a um elevado nível de contaminação de covid-19 depois do surgimento da variante delta.

O surgimento, agora, da variante ômicron acendeu um alerta na indústria. “Isso aumenta o risco de mais gente afastada das fábricas”, afirma Moraes. Nos últimos dias, as montadoras, segundo ele, têm intensificado campanhas para alertar os funcionários sobre medidas de prevenção, distanciamento e estímulo à vacinação. Na área administrativa, o trabalho remoto voltou com mais força. Não há, por enquanto, registros de interrupções de produção. Mas o afastamento de operários contaminados ou com suspeita de ter contraído a doença afeta as fabricas de veículos tanto quanto outras atividades.

Apesar de novas reflexões passarem a fazer parte da rotina, velhos problemas ainda perturbam o setor. Nas projeções para 2022, não faltam preocupações com a elevação das taxas de juros. Moraes lembra que metade das vendas de veículos no país são financiadas. Por isso, antes de fechar os cálculos, diz ele, a Anfavea falou não apenas com os economistas dos bancos, mas também com o funcionário que negocia com o cliente.

“Estamos com otimismo moderado”, afirma o dirigente.

No ano passado, o mercado interno somou 2,11 milhões de veículos, expansão de 3% na comparação com 2020. O resultado foi puxado pelos veículos comerciais. As vendas de caminhões, picapes e furgões avançaram 43,5%, 25,1% e 22,8%, respectivamente. O mercado de veículos de carga acompanhou o bom desempenho do agronegócio e do aumento das entregas, estimulado pelo comércio eletrônico. Enquanto isso, a de automóveis caiu 3,6%. O segmento de carros de passeio foi o mais afetado pela falta de semicondutores.

Para este ano, a Anfavea prevê 2,3 milhões de unidades. Além dos juros, alta do câmbio, desemprego e pressão de custos, a persistência da falta de semicondutores e as incertezas naturais num ano eleitoral diminuem as chances de sonhar com números mais robustos.

A entidade trabalha com projeções de economistas que indicam crescimento do PIB de 0,5%, taxa básica de juros de 11% e câmbio flutuante na faixa de R$ 5,50.

A produção estimada para o ano - 2,46 milhões de unidades, das quais 390 mil podem ser exportadas - faz com que a indústria volte a níveis de 2015. Naquele ano, foram produzidas 2,45 milhões de unidades. Com a crise, em 2016 foram 2,19 milhões, queda superada somente em 2020, no pico da pandemia (2 milhões).

Os dirigentes do setor reconhecem que o cenário pode piorar. A nova variante do coronavírus traz incertezas. “Ninguém imaginava que com a vacinação (a pandemia) poderia voltar de forma tão gigante”, disse, na sexta-feira, o presidente da Stellantis, Antonio Filosa.

Eles sabem que é preciso estar preparado. Já faz tempo que a rotina nas fábricas mudou. Há menos de dois anos, os operários das linhas de montagem de veículos estavam sendo treinados para ajudar a consertar respiradores, que ajudaram no atendimento de pacientes entubados em hospitais.